domingo, 25 de novembro de 2007


KANT
O BELO E O SUBLIME
(ENSAIO DE ESTÉTICA E MORAL)
Trad. De Alberto Machado Cruz
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CAPÍTULO I

DOS DIFERENTES OBJECTOS DO SENTIMENTO DO BELO E DO SUBLIME

As diferentes sensações de alegria e de tristeza obedecem menos à condição das coisas anteriores que as suscitam do que à sensibilidade particular de cada homem para ser, agradável ou desagradavelmente impressionado por elas. Daqui o facto de, a alguns, causar prazer o que a outros produz asco; daqui a paixão que para uns é enigmática, a viva repugnância que alguns sentem em face de coisas que para outros são completamente indiferentes. O campo de observação destas particularidades da natureza humana é muito vasto e oculta ainda grande quantidade de factos tão interessantes como instrutivos.
Por agora limitar-me-hei a considerar, mais com olho de observador do que de filósofo, alguns pontos que parecem destacar – se particularmente neste campo.
Como todo o homem somente se sente feliz quando satisfaz as suas inclinações, a sensibilidade que lhe permite desfrutar grandes prazeres sem exigir aptidões excepcionais, não é uma coisa fútil.
As pessoas de fisiologia exuberante, para as quais o autor mais engenhoso é o cozinheiro e as obras de mais fino gosto se encontram na taberna, entregar-se-hão ao prazer de escutar comuns e equívocos palradores, com uma alegria tão grande como aquela que sentem as pessoas de sensibilidade elevada, em circunstâncias diferentes. Um senhor respeitável que gosta de ler livros porque com a leitura concilia melhor o sono; o comerciante para quem todo prazer é mesquinho, exceptuando o que desfruta o homem avisado quando calcula os seus lucros; aquele outro que ama o sexo feminino somente porque o inclui nas coisas desfrutáveis; apaixonado pela caça, mesmo que seja de moscas como seja Domiciano, ou de feras como A., todos têm uma sensibilidade que lhes permite gozar os prazeres a seu modo, sem invejarem outros, nem deles fazerem ideia. Mas deixemos por agora isto. Existe todavia um sentimento de natureza mais fina, já porque permite ser desfrutado mais largamente, sem saciedade nem esgotamento, já porque supõe na alma uma sensibilidade que a torna apta para os sentimentos virtuosos, ou porque manifesta aptidões e vantagens intelectuais, enquanto que os outros são compatíveis com uma certa indigência mental. Este é o sentimento que proponho considerar em alguns dos seus aspectos. Excluo, no entanto, aquela inclinação que anda unida às sublimes intenções do entendimento e aquele atractivo que um Kepler sabia sentir, quando, como nota Boyle, dizia que nunca trocaria nenhuma das suas descobertas por um principado. É esta afeição excessivamente elevada para fazer parte do presente ensaio destinado a tratar somente a emoção sensível de que as almas mais comuns são também capazes.
Este delicado sentimento que agora vamos considerar tem principalmente duas classes: do sublime e do belo. A emoção é agradável em ambos, mas muito diferente. A vista de uma montanha cujos picos elevados passam acima das nuvens; a descrição de uma tempestade furiosa ou o quadro do inferno de Milton causam agrado juntamente com terror. Pelo contrário, a contemplação dos campos floridos, dos vales cm ribeiros serpenteantes, cobertos de rebanhos; a descrição do Elísio ou o quadro do cinturão de Vénus em Homero, proporcionam também uma sensação agradável mas alegre e, para que aquela primeira impressão nos surja com força apropriada, devemos ter um sentimento do sublime; ara desfrutar bem a segunda é preciso o sentimento do belo.
Altas enzinhas e sombrios recantos são sublimes; orlas de flores, sebes baixas e árvores formando figuras são belas.
A noite é sublime; o dia é belo. Na calma da noite estival, quando a luz trémula das estrelas atravessa as sombras pardas e a lua solitária se encontra no horizonte, as naturezas que possuem um sentimento do sublime são pouco a pouco arrastadas a sensações de amizade, de desprezo do mundo e da eternidade. O dia radiante infunde uma activa diligência e um sentimento de alegria. O sublime comove; o belo encanta. A expressão do homem dominado pelo sentimento do sublime é séria e, por vezes, fina e assombrada. O sublime apresenta, por sua vez, diferentes caracteres. Por vezes acompanha – o um certo terror ou também melancolia; nalguns casos meramente um assombro tranquilo outras um sentimento de beleza sobre uma disposição geral sublime. Ao primeiro chamo o sublime terrorista; ao segundo, o nobre; ao terceiro o magnífico. Uma solidão profunda é sublime mas de natureza terrorista (1).
Daqui resulta que os grandes desertos como o imensos Chaco na Tartásia, tenham sido sempre o cenário em que a imaginação viu terríveis sombras, duendes e fantasmas.
O sublime há – de ser sempre grande; o belo pode ser também pequeno; o sublime há – de ser sempre simples; o belo pode estar engalanado. Uma grande luta é tão sublime como uma profundidade, mas esta é acompanhada duma sensação de estremecimento e aquela de uma de assombro; a primeira sensação é terrorista, a segunda é nobre. A vista das pirâmides egípcias impressiona, segundo diz Hamlquist, muito mais do que qualquer descrição pode representar – nos; porém a sua arquitectura é simples e nobre. A igreja de S. Pedro em Roma é magnífica. Na sua aparência grande e simples, ocupa tanto espaço e beleza – ouro, mosaicos – que, através dela recebe – se a impressão do sublime e o conjunto resulta magnífico. Um arsenal deve ser simples; uma residência régia magnífica e um palácio de recreio, belo.
Um grande espaço de tempo é sublime.
Se corresponde ao passado resulta nobre; se se considera num futuro incalculável, contém algo de terrorista. Um edifício da mais remota antiguidade é venerável. A descrição feita por Halles da eternidade futura infunde um suave terror; a da eternidade passada, um assombro imóvel.

CAPÍTULO II

DAS PROPRIEDADES DO SUBLIME E DO BELO DO HOMEM EM GERAL

A inteligência é sublime; o engenho é belo; a audácia é grande e sublime; astúcia é pequena mas bela. “A circunspecção – disse Cromwell – é uma virtude do juiz”. A veracidade e a rectidão são simples nobres; a chalaça e a lisonja obsequiosas são finas e belas. A amabilidade é a beleza da virtude. A solicitude desinteressada é nobre. A cortesia e a delicadeza são belas. As qulidades sublmes infundem respeito; as belas, amor. Os que sentem principalmente o belo, somente em casos de necessidade procuram os seus amigos entre os homens rectos, constantes e severos; preferem conviver com pessoas chalaceadoras, amáveis e corteses. Estima – se alguns demasiado para que se possa amá – los; infundem assombro, mas estão demasiado acima de nós, para que posamos aproximar-nos deles com a confiança do amor.
Aqueles que formem juntos os dois sentimentos acharão que a emoção do sublime é mais poderosa do que a do belo; mas que se esta a não acompanha ou alterna com ela, acabará por fatigar e não poderá ser disputada mito tempo (2). Os sentimentos absurdos a que, por vezes, se exalta a conservação duma sociedade escolhida devem ter os seus intermédios de chalaça regozijada, e a ridentes alegrias devem formar, com s rostos comovidos e sérios, o formoso contraste em que alternam espontaneamente ambos os sentimentos. A amizade apresenta principalmente o carácter sublime; o amor sexual, o do belo. A delicadeza e o respeito profundo dão, sem dúvida, a este último, certa dignidade e elevação, enquanto as chalaças travessas e a confiança lhe acentuam o carácter belo. A tragédia distingue – se, na minha opinião, da comédia, principalmente em que aprimeira excita o sentimento do sublime e a segunda o do belo. Na primeira mostra – se – nos o magnífico sacrifício em altares do bem alheio, a decisão audaz e a fidelidade provada.
O amor é nela melacólico, delicado e cheio de respeito; a desdita dos outros desperta no espectador sentimentos compassivos e faz bater o seu coração. Sentimo-nos docemente comovidos em vermos intimamente a dignidade da nossa própria natureza. A comédia, pelo contrário, apresenta subtis intrigas, confusões assombrosas, pessoas espertas que sabem sair – se de apuros, lorpas que deixam engana – se, chalaças e caracteres ridículos. O amor aqui não é tão triste e confiado. Igualmente como em ouros casos pode, sem dúvida, neste tornar – se compatível, até certo ponto, o nobre com o belo.
Até os vícios e os defeitos morais contém, por vezes, em si alguns rasgos do sublime e do belo. Pelo menos assim aparecem ao nosso sentimento sensível, prescindindo do juízo que possam merecer aos olhos da razão. A cólera de um homem terrível é sublime: tal é a de Aquiles na Ilíada. Em geral o herói de Homero tem uma sublimidade terível, e o de Vergílio, nobre. A vingança de uma grande ofensa, por uma forma clara e atrevida, tem em si algo de grande, e por ilícita que possa ser, produz ao ser contada uma emoção ao mesmo tempo terrorista e agradável. Surpreendido na sua tenda por alguns conjurados, Schach Nadir exclamou, segundo conta Hamway, depois de ter recebido já algumas feridas, e defendendo-se desesperadamente: “Piedade! Perdoar-vos-hei a todos”. Um dos conjurados respondeu levantando o sabre: Tu nunca mostraste piedade nenhuma, e também não a mereces. A temeridade decidida de um valdevinos, é muito perigosa; mas, quando se ouve contá – la, impressiona e ainda que o herói termine numa morte vil, enobrece – a, de certo modo, quando marcha para ela arrogante.
Por outro lado, num projecto astuto, ainda que o seu objecto seja uma picardia, há alguma coisa de fino e que excita o riso.
O desejo de seduzir ou coqueteria, num sentido delicado, quer dizer, de admitir as atenções e excitá – las, é censurável numa pessoa já de si amável, mas, contudo, é belo e comummente preferível à atitude grave e séria. A figura das pessoas que agradam pelo seu aspecto externo reveste ora um ora outro género de sentimento. Uma estatura alta conquista prestígio e respeito; uma estatura pequena, confiança. O cabelo escuro e os olhos negros têm mais afinidade com o sublime; os olhos azuis e o cabelo loiro, mais como bel. A idade avançada diz melhor com o carácter do sublime; a juventude com os do belo.
Igualmente acontece com a diferença de classes sociais e até a indumentária pode influir nas diferentes qualidades destas impressos que aqui só tratamos de passagem. As pessoas e de aparência devem procurar a simplicidade dos seus trajos ou, então, a magnificência; as pessoas baixas podem adorar adornos
À velhice convém as cores escuras e a unifornodade; a juventude brilha nas cores claras e nos contrastes. Entre as classes sociais em igualdade de fortuna e posição, devem os eclesiásticos mostrar a maior simplicidade, e os homens de

Estado, a maior magnificência. O galanteador pode adornar – se e com gosto.
Nas circunstâncias exteras de felicidade existe também, pelo menos na imaginação dos homens, qualquer coisa que faz parte destas emoções. Um alto nascimento e um título inclinam os homens ao respeito. A fortuna, ainda que sem merecimentos, inspira reverência até nas pessoas desinteressadas, porque lhe sugere a ideia dos grandes projectos que lhe permite realizar.
Este respeito aproveita por vezes, a muito malandrim que nunca ealizará tais coisas e não tem a menor suspeita do nobre sentimento, o único que pode tornar a fortuna estimável. O que acrescenta o mal a pobreza é o menosprezo, pois nem com merecimentos pode ser apagado por completo, pelo menos perante os olhos vulgares, a não ser que posição e título enganem este sentimento grosseiro e o falseiem de certo modo, vantajosamente para ele.
Nunca se encontram, na natureza humana, qualidades louváveis, sem que, ao mesmo tempo, a corrupção das mesmas não termine, por infinitas graduações, na imperfeição mais extrema.
A qualidade do sublime terrível, quando se torna completamente monstruoso, cai mo extravagante (3). Coisas fora do natural, ainda que nelas se procure o sublime e pouco ou nada se consiga, são monstruosidades. Quem goste do extravagante ou creia nele é um fantástico. A inclinação para o monstruoso origina o exagero (Gillenfänger). Por outro lado, o sentimento do belo degenera quando lhe falta por completo o nobre, e então denomina-se frívolo. Uma pessoa deste género, do sexo masculino, se é jovem conhece-se por fedelho; na idade madura é um fátuo; e como na velhice, o elevado ou o sublime é mais necessário do que nunca, resulta que velho sem siso é o desprezível indivíduo da criação, assim como um jovem caprichoso mais antipático e insuportável.
As chalaças e a jovialidade entram no sentimento do belo. Contudo pode transparecer nela bastante inteligência, e neste sentido resultam mais ou menos afins com o sublime. Aquele, em cuja jovialidade esta mescla é imperceptível, resvala. E se isto lhe acontece continuamente, acaba em mentecapto. Facilmente se adverte que também pessoas avisadas resvalam por vezes e que não é necessário pouco engenho para julgar sem nunca dar uma nota falsa.
Aquele cuja conversa não diverte nem comove é um fastidioso, e se se esforça por conseguir ambas as coisas, torna – se um insípido. Quando o insípido é, por cima, vaidoso, acaba por dar em tolo (4).
Com alguns exemplos vou tornar um pouco mais compreensível esse estranho compêndio de debilidades humanas; quem carece do buril de Hogarth tem que suprir, com a descrição, as deficiências da expressão no debuxo. Afrontar audazmente os perigos pelos nossos direitos, pelos da pátria ou dos nossos amigos é sublime. As cruzadas, a antiga cavalaria, eram extravagantes; os duelos, vestígio desditoso delas, originado num conceito equívoco da honra, são monstruosos.
Um melancólico afastamento do bulício mundano em consequência de um tédio ilegítimo, é nobre. A devoção solitária dos antigos eremitas era extravagante. Os conventos e os sepulcros de tal género para enterra santos vivos são monstruosos. O domínio das paixões em nome de princípios é sublime. As mortificações, os votos e outras virtudes monacais são primeiro que tudo coisas monstruosas. Entre as obras do engenho e do sentimento delicado, as poesias épicas de Vergílio e de Klopstock, pertencem ao nobre; as de Homero e Milton caem no extravagante. As metamorfoses de Ovídio são monstruosas, e os contos de fadas da superstição francesa são as mais lamentáveis monstruosidades jamais imaginadas. As poesias anacreônticas estão a miúdo muito próximas do frívolo.
As obras da razão e do entendimento agudo, enquanto que os seus objectos encerram também alguma coisa de sentimento, participam, de certo modo, das diferenças indicadas. A representação matemática da magnitude incomensurável do universo, as considerações metafísicas acercada eternidade, da Providência, da imortalidade da alma, contém um certo carácter sublime e majestoso. Em compensação há muitas subtilezas vãs que desfiguram desafiam a filosofia. A aparência de profundidade não impede que as quatro figuras silogísticas mereçam ser contadas entre monstruosidades da escola.
Nas qualidades morais só a verdadeira virtude é sublime. Existem algumas, sem dúvida, que são amáveis e belas, e que, enquanto se harmonizam com a virtude, podem ser consideradas como nobres, ainda que não se deva incluí-las na intenção virtuosa. O juízo acera disto é subtil e complicado. Não pode, certamente, denominar – se virtude o estado de ânimo que origina actos que também a virtude inspiraria, porque os motivos que inspiram tais actos, ainda que casualmente coincidam coma virtude, podem, pela sua natureza, entrar a miúdo em conflito comas regras gerais da virtude.
Uma certa brandura, que facilmente leva a um cálido sentimento de compaixão é bela e amável, pois mostra uma bondosa participação no destino dos outros homens, à qual levam igualmente os princípios da virtude. Mas esta boa paixão é débil e sempre cega
Suponhamos que tal sentimento nos move a socorrer com os nossos recursos um necessitado, em ocasião em que devemos a outros e portanto nos incapacitamos de cumprir o estrito dever da justiça; esse acto não pode nascer de nenhum princípio moral, porque seguindo este nunca nos veríamos obrigados a sacrificar uma obrigação superior a esse cego impulso. Se a benevolência geral para o género humano se converteu dentro de nós, num princípio ao qual subordinais sempre os vossos actos, perdura então o amor ao necessitado, mas posto, de um ponto de vista inferior, na verdadeira relação com a totalidade dos nossos deveres. A benevolência é um fundamento de participação na sua desdita, mas também da justiça, e, segundo a prescrição desta, renuncia ao acto no caso presente. Mas acontece que ao ser este sentimento exaltado a uma generalidade devida, se se torna sublime, resulta, em troca, mais frio.
Não é possível que o nosso coração se interesse delicadamente por todos os homens nem que toda a pena estranha desperte a nossa compaixão. Doutro modo, o virtuoso estaria, como Heráclito, continuamente desfeito em lágrimas e com toda a sua bondade viria a ser mais do que um terno folgazão (5).
O segundo género do sentimento bondoso, certamente belo e amável, mas que não serve de base a uma verdadeira virtude, é a cortesia, pela qual nos sentimos inclinados a mostra – nos agradáveis com os outros mediante a amizade, a aquiescência aos seus desejos e a equação do nosso procedimento perante a sua maneira de pensar.
Este fundamento de uma encantadora sociabilidade é formoso, e tão branda condição é sinal de natureza bondosa. Mas tão longe está de ser uma virtude que, se princípios superiores não lhe opõem as suas barreiras e o contrariam, podem ser origem de todos os vícios. Ainda sem contar que a complacência para aqueles com quem tratamos significa, por vezes, a injustiça com outros situados fora deste círculo, o homem complacente, se se admite somente este estímulo, poderá ter todos os vícios, não por inclinação espontânea, mas porque vive para agradar. A afectuosa sociabilidade convertê – lo – ia num velhaco, num folgazão, num borracho, etc., etc., pois não actua segundo as regras do bom procedimento em geral, mas segundo uma inclinação, bela em si, mas que ao achar – se sem freio nem princípios resulta frívola.
A verdadeira virtude, portanto, somente pode descansar em princípios que, a fazem tanto mais sublime e nobre, quanto mais gerais. Estes princípios não são regras especulativas, mas a constância de um sentimento que vive em todo o peito humano, e cujo domínio é muito mais amplo do que o campo da paixão ou da complacência. Creio recolher todo o seu conteúdo dizendo que é o sentimento da beleza e a dignidade da natureza humana. O primeiro é o sentimento da benevolência geral; o segundo, de estima geral; se este sentimento alcançasse a máxima perfeição num coração humano qualquer, este homem amar – se – ia e estimar – se – ia certamente a si próprio; mas somente como fazendo parte de todos aqueles a quem se estende o seu amplo e nobre sentimento. Somente subordinando as nossas a esta inclinação tão ampla, podem aplicar - se proporcionalmente os nossos bons instintos e produzir o nobre decoro que constitui a beleza da virtude.
Em consideração à debilidade da natureza e do escasso poder que havia de escrever sobre o maior número dos corações o sentimento ético geral, a Providência colocou em nós, como suplemento da virtude, tais instintos auxiliares; por eles são levados alguns, mesmo sem princípios, a belas acções, e aqueles que os possuem não podem receber maior impulso e estímulo mais enérgico. A compaixão e a complacência são fundamentos de belas acções, e aqueles que os possuem não podem receber maior impulso e estímulo mais enérgico. A compaixão e a complacência são fundamentos de belas acções, que acaso seriam afogadas pelo predomínio de um grosseiro egoísmo, mas, segundo vimos, não são fundamentos imediatos da virtude, ainda que, enobrecidos pelo parentesco com ela, se lhe chame também virtuosas. Posso denominá-las, portanto, virtudes adoptadas, e genuína virtude a que descansa sobre princípios.
As primeiras são belas e sedutoras, mas só a segunda é sublime e venerável. Ao espírito em que dominam as primeiras sensações, denomina – se um bom coração, e bondoso ao homem de tal carácter; em compensação se atribui com justiça um nobre coração ao virtuoso segundo princípios, e se lhe chama recto. Estas virtudes adoptadas têm sem dúvida grandes semelhanças com as verdadeiras virtudes, pois encerram o sentimento de um prazer imediato em actos bons e benévolos. Sem interesse, por espontânea benevolência, o bondoso tratar-vos-á amistosa e cortesmente, partilhará as penas dos outros.
Mas como esta simpatia moral não é todavia bastante para inspirar aos homens acções de utilidade geral, a Providência cria em nós um certo sentimento delicado que pode empurrar-nos à acção ou servir de contrapeso ao egoísmo grosseiro e ao invulgar desejo de prazeres. É o sentimento da honra e seu resultado, a vergonha. A opinião que do nosso valor tenham os outros e o juízo acerca dos nossos actos é um móbil de grande importância e que nos leva a muitos sacrifícios. O que grande parte dos homens não teria feito por impulsos de espontânea bondade nem por princípios, faz-se muito a miúdo mercê do prestígio aparente de uma preocupação muito útil, ainda que em si muito superficial, como se o juízo dos outros determinasse o nosso valor e o dos nossos actos. O que acontece ao obedecer a este impulso não é de forma alguma virtuoso, daí que quem queira ser tido por tal oculte cuidadosamente o motivo. Esta inclinação não tem tanta afinidade com a virtude genuína como a bondade do coração porque não pode ser movida imediatamente pela formosura dos actos, mas pelo que estes representam perante os olhos alheios. Contudo, como o sentimento da honra é delicado, posso denominar resplendor da virtude o acto análogo ao virtuoso que por ele é determinado.
Se compararmos o espírito dos homens segundo a predominância neles de um destes géneros de sentimentos, determinando o carácter moral, chegamos à conclusão de que cada um se acha em afinidade com um dos temperamentos em que comummente se dividem, mas de tal forma que, além disso, ao fleumático corresponderia uma maior carência do sentimento moral. E não posso dizer com isto que a nota principal no carácter destas diferentes espécies de espírito corresponda aos tipos indicados, pois que aqui não consideramos sentimentos mais grosseiros, como, por exemplo, o do egoísmo, o do prazer, o do prazer vulgar, etc., e tais inclinações são as observadas de preferência na divisão corrente, mas quês mais finos sentimentos aqui considerados são susceptíveis de unir-se mais facilmente com um ou outro temperamento e, de facto, estão unidos no maior número de casos.
Um íntimo sentimento de beleza e de dignidade da natureza humana e um ânimo seguro e vigoroso para referir a este todas as acções são sérios e não se associam bem com uma alegria voadora nem com a inconstância de um homem ligeiro. E até se acha próxima da funda melancolia, uma doce e nobre sensação, na medida em que se baseia sobre aquele temor que sente uma alma limitada quando, cheia de com um grande projecto, vê os perigos que deve vencer e tem, diante dos olhos, a grave, ainda que grande, vitória do domínio de si mesma.
A virtude genuína, segundo princípios, encera em si algo que parece coincidir com o temperamento melancólico num sentido atenuado.
O carácter bondoso, uma condição bela e sensível para ser em casos particulares comovido de um maneira compassiva e benévola, está muito sujeito à mudança das circunstâncias e, por não repousar o movimento da alma sobe um princípio geral, toma facilmente formas diferentes, segundo os objectos oferecem um ou outro aspecto. E como esta inclinação se encaminha para o belo, parece susceptível de unir-se sobretudo com o temperamento denominado sanguíneo, que é volúvel e dado a diversões. Neste temperamento devemos procura as qualidades simpáticas que denominamos virtudes adoptadas.
O sentimento da honra é, desde logo, reconhecido como característica da compleição colérica, e as consequências morais deste sentimento delicado, que quase sempre apenas se preocupa com brilho, apresentam-nos tipos para a descrição deste carácter.
Em homem algum faltam indícios de sentimentos delicados; mas uma grande ausência deles, qualificada comparativamente de insensibilidade, aparece no carácter do fleumático, e até os impulsos mais vulgares, como o desejo de dinheiro, etc., costumam ser-lhe negados.
Podemos abandonar esta inclinação, juntamente com outras análogas, porque caem fora do nosso plano.
Examinemos as sensações do sublime e do belo, principalmente enquanto morais, debaixo da divisão admitida dos temperamentos.
Não chamamos melancólico a um homem porque, afastando-se dos prazeres da vida, se consome numa sombria tristeza, mas porque os seus sentimentos, intensificados mais para além de certo ponto ou dirigidos, mercê de determinadas causas, para um falso objectivo, acabariam nessa tristeza mais facilmente do que os dos outros. Este temperamento em principalmente sensibilidade para o sublime. E a beleza, à qual é igualmente sensível, não o encanta somente, mas, enchendo-o de assombro, o comove. O prazer das diversões é nele mais sério, mas, pela mesma razão, não menor. Todas as comoções do sublime têm algo mais fascinante sem do que o inquieto encanto do belo. O seu bem-estar será, mais do que alegria, uma satisfação tranquila. É constante. Isto move-o a ordenaras sensações debaixo de princípios, e tanto menos está sujeito à inconstância e à mudança quanto mais geral é o princípio a que se acham subordinadas e mais amplo, portanto, o elevado sentimento ao qual se subordinam os interiores.
Todos os motivos particulares da inclinação estão sujeitos a muitas excepções e mudanças se não são derivados de tal fundamento superior. O alegre e superior Alcestes disse: «amo e estimo a minha mulher porque é bela, carinhosa e discreta». Como? E se, desfigurada pela doença, exasperada pela velhice e passado o primeiro encanto, deixasse de parecer-te mais discreta do que qualquer outra? Quando o fundamento desapareceu, que pode resultar da inclinação? Tomai, em compensação, o benévolo e sisudo Adrasto que pensava para si: «Tenho que tratar esta pessoa com amor e respeito porque é minha mulher». Tal maneira de pensar é nobre e magnânima. Podem alterar-se os encantos fortuitos, continuará sendo sempre sua mulher. O motivo nobre permanece e não está tão sujeito à inconstância das coisas exteriores. Desta qualidade são os princípios, em comparação com os impulsos originados somente em ocasiões particulares, e assim é o homem de princípios, ao lado daquele a quem sobrevém uma inspiração boa e afectuosa. E o mesmo diríamos se a linguagem secreta de um coração se expresse desta maneira: «Tenho que auxiliar este homem porque seja amigo ou conhecido meu nem que o considere capaz de depois me agradecer. Não é ocasião de fazer distinções nem de perder tempo com questões: é um homem, e o que causa dano aos homens, também a mim m toca». Desde este momento o seu proceder apoia-se no supremo fundamento da benevolência dentro da natureza humana, e é sublime em supremo grau, tanto pela invariabilidade como pela generalidade das suas aplicações.
Continuo as minhas observações. O homem de carácter melancólico preocupa-se pouco com os juízos alheios, pelo que outros têm por bom ou verdadeiro; apoia-se somente na sua própria opinião. Como nele os fins tomam o carácter de princípios, não pode ser facilmente levado a outras ideias. A sua firmeza degenera por vezes em obstinação. A amizade é sublime e, portanto, apropriada aos seus sentimentos. Pode acaso perder um amigo inconstante, porém este não o perde a ele facilmente. Até a recordação da amizade extinta continua para ele respeitável. A loquacidade é bela; a taciturnidade meditativa é sublime. Sabe guardar bem os seus segredos e os alheios. A veracidade é sublime e ele odeia mentiras e fingimentos. Sente com viveza a dignidade da natureza humana. Estima-se a si próprio e tem um homem por uma criatura que merece respeito. Não sofre submissão abjecta e o seu nobre coração respira liberdade. Toda a espécie de cadeias lhe são odiosas, desde as douradas que na corte se arrastam até aos pesados ferros de galeote. É um rígido juiz de si próprio e dos outros e a miúdo sente desgosto de si e do mundo. Na degeneração deste carácter, a seriedade inclina-se para a melancolia, a devoção para o fanatismo, o zelo pela liberdade para o entusiasmo. a ofensa e a injustiça acendem nele desejos de vingança, e então é verdadeiramente temível.. Desafia o perigo e despreza a morte. Falseado o seu sentimento e não controlado pela razão, cai no extravagante: sugestões, fantasias, ideias fixas. Se a inteligência é ainda mais débil, cai no monstruoso: sonhos significativos, pressentimentos, sinais milagrosos. Está em perigo de se converter num fantástico ou num exagerado.
O indivíduo de carácter sanguíneo tem predominante sensibilidade para o belo. As suas alegrias são, portanto, ridentes e vivas. Se não está alegre é porque se acha desgostoso; conhece mal a calma satisfeita. A variedade é bela, e ele gosta da mudança. Busca a alegria em si próprio e em volta de si; regozija os outros e a sua companhia é agradável. Partilha facilmente do estado moral alheio. A alegria dos outros contenta-o e a dor enternece-o. O seu sentimento moral é belo mas sem princípios, e obedece sempre às impressões momentâneas que os objectos nele produzem. É amigo de todos os homens ou, o que é o mesmo, nunca é propriamente um amigo, ainda que seja de verdade bondoso e benévolo. Não finge. Hoje tratar-nos-á com o seu afecto e cortesia peculiares; amanhã, se estiverdes doentes ou se vos sobrevier uma desgraça, mostrará um interesse verdadeiro, não hipócrita, mas afastar-se-á suavemente até que as circunstâncias tenham passado. Nunca deve ser juiz. As leis são para ele, comummente, demasiado rígidas, deixa-se subornar pelas lágrimas. É um tipo curioso, nunca completamente bom e nunca completamente mau. Comete excessos e é vicioso mais por complacência do que por inclinação. é liberal e benéfico (mas imperfeitamente equilibrado), porque se é muito sensível para o bem, é muito pouco para a justiça .Ninguém tem tão boa opinião do seu próprio coração como ele. Ainda que o não estimeis muito, não podeis deixar de amá-lo. O maior perigo do seu carácter é cair no frívolo, e então é aloucado e infantil. Se a idade não lhe diminui a vivacidade ou não lhe infunde mais juízo corre perigo de converter-se num velho gaiteiro.
Aquele cujo carácter é classificado de colérico tem sensibilidade predominante para o género do sublime que pode denomina-se magnífico. É somente o brilho da sublimidade, uma cor chamariz que oculta, enganando e impressionando com a aparência, o conteúdo íntimo da pessoa ou coisa, acaso mau ou vulgar em si própria. Assim como um edifício coberto por uma pintura que imita a pedra produz uma impressão tão nobre como se fosse verdade, e as molduras e pilastras cravadas sugerem a ideia de firmeza ainda que tenham pouca consistência e nada sustenham, igualmente brilham as virtudes de folha de lata, o similador da sabedoria e os méritos pintados.
O colérico considera o seu próprio valor e das suas coisas segundo o prestígio e a aparência de que se revestem aos outros. Acerca da essência ou dos motivos que o próprio objecto encerra, mostra-se frio.: nem entusiasmo por verdadeira benevolência nem comovido pelo respeito. (6) O seu proceder é artificioso. Saberá toda a classe de pontos de vista para julgar o efeito que produz segundo a posição distinta do espectador, pois não se pergunta o que é, mas o que parece. Por isso conhecerá bem a maneira de conquista a aprovação geral e as apreciações que há-de suscitar fora dele o seu procedimento. O sangue-frio que esta fina atenção requer para não ser cegada pelo amor, a compaixão e o interesse impedem-no de muitas loucuras e contrariedades em que cai um sanguíneo, arrebatado pela sua sensibilidade espontânea. Por isso paree mais razoável do que realmente é. A sua benevolência é cortesia; o seu respeito, cerimónia; o seu amor, adulação meditada.
Está sempre cheio de si mesmo quando toma a atitude de enamorado e de amigo, e não é nunca nem uma coisa nem outra. Gosta de brilhar com as modas, mas como tudo nele é artificial e trabalhado, mostra-se rígido e torpe.
O seu proceder obedece mais a princípios do que o sanguíneo, somente movido por impressões ocasionais, porém não são princípios de virtude mas de honra, e não é nada sensível à beleza ou ao valor dos actos, mas aos juízos que o mundo pronunciará sobre eles. Como o seu proceder, se se não considerar o ponto donde brota, resulta quase tão benéfico à generalidade como a virtude, obtém do espectador comum tão elevada estima como o virtuoso, porém oculta-se cuidadosamente dos olhos mais subtis, pois sabe que se descobrem o móbil oculto da honra desaparecerá também o respeito que se lhe mostra. Recorre, portanto, com frequência ao fingimento; e religião é hipócrita; no convívio adulador; em política, versátil, segundo as circunstâncias. Compraze-se em ser escravo dos grandes para depois ser tirano dos humildes. A ingenuidade, essa nobre ou bela simplicidade que leva em si o selo da natureza e não da arte, é-lhe completamente estranha. Porém quando o seu gosto degenera, o seu brilho torna-se pedante, isto é, desagradavelmente jactancioso. Cai então, tanto no seu estilo como nos seus adornos, no espaventoso – o exagerado –, uma espécie de monstruosidade que está para o magnífico como o extravagante ou exagerado está para o sublime sério.
nas ofensas, vai rapidamente ao duelo ou processo, e nas elações humanas gosta de ostentar antepassados, proeminência e títulos. Enquanto somente é vaidoso, isto é, enquanto procura honras e se esforça por se tornar notado, pode ser ainda suportável, porém quando totalmente falho de verdadeiras qualidades e méritos se pavoneia orgulhoso, vem da naquilo que ele menos quisera, isto é, num néscio.
Visto que no composto fleumático não costumam aparecer ingredientes do sublime e do belo num grau particularmente apreciável, fica esse carácter completamente fora do âmbito do nosso exame.
Qualquer que seja o género das sensações tão delicadas de que tratámos até aqui, sublimes ou belas, sofrem o destino comum de aparecerem falsas e absurdas aos olhos de todo aquele cuja sensibilidade não concorda com elas. O homem de aplicação tranquila e egoísta não tem, por assim dizer, órgãos para sentir a nobreza numa poesia ou numa virtude heróica; lê com mais agrado um Robinson do que um Grandison e tem Catão por um néscio teimoso. Igualmente, às pessoas de carácter um pouco sério, parece frívolo aquilo que para os outros é encantador, e a jovial ingenuidade de uma acção pastoril parece-lhe insignificante e insípida. Ainda que não falte por completo uma sensibilidade apropriada, existem graus muito diferentes, e vê-se que um encontra nobre e digno uma coisa que para outros é extravagante. As ocasiões que se oferecem em assuntos não moais para espreitar alguma coisa do sentimento do próximo, podem dar-nos conjuntura para decidir também cm bastante verosimilhança da sua sensibilidade, com relação às qualidades superiores do seu espírito e ainda do seu coação. O que se aborrece ouvindo uma bela música deixa muitas suspeitas de que as belezas da literatura ou os encantos do amor não exercerão poder sobre ele.
Há um certo espírito de minúcias que mostra uma espécie de sensibilidade delicada, porém dirigida precisamente para o contrário do sublime. É o amor pela coisas artificiosas e difíceis: versos que podem ler-se tanto para baixo como para cima, enigmas, relógios diminutos, etc.; gostar de tudo o que está medido e ordenado de uma maneia minuciosa, ainda que seja sem utilidade, por exemplo, de livros primorosamente colocados em largas prateleiras nas estantes, e uma cabeça vazia que os contempla cheia de satisfação; salas ornamentadas em caixas ópticas, meticulosamente limpas e dentro um dono inospitaleiro que as habite; de tudo o que é raro, por pouco valor que em si possa ter; a lâmpada de Epíteto, uma luva de Carlos XII. De certo modo a ganância de acumula dinheiro está incluída nisto. Pode suspeitar-se que se tais pessoas cultivassem as ciências converter-se-iam em exageradas e que nos costumes carecerão de sentimento para o quede uma maneira livre é belo e nobre.
Não se tem razão quando se acusa de não entender a quem não vê o valor ou a formosura do que nos comove ou encanta. Trata-se aqui não tanto do que o entendimento compreende como do que o sentimento experimenta. As faculdades da alma têm, sem dúvida, tão grande conexão em si que, o mais das vezes, das manifestações da sensibilidade podem deduzir-se as condições intelectivas. Vãos resultariam os dotes intelectuais para quem ao mesmo tempo não tivesse um vivo sentimento do belo e do sentimento que seria o incentivo de as aplica bem e com regularidade (7).
É corrente denominar somente útil o que satisfaz a nossa mais grosseira sensibilidade, o que pode proporcionar-nos abundância na comida e na bebida, luxo no vestuário e nos móveis, esplendor na hospitalidade, apesar de eu não compreender porque o desejado pelos meus mais vivos sentimentos não se há-de encontrar igualmente entre as coisas úteis. Porém, ainda admitindo-o, aquele em que predomina o interesse pessoal é um homem no qual nunca o bom gosto se há-de subtilizar. Por este motivo uma galinha é melhor do que um papagaio; uma caçarola mais útil do que um vaso de porcelana; todos os engenhos do mundo não igualam o valor de um lavrador, e os esforços para averiguar a distância das estrelas fixas podem ser adiados até que saibamos de que maneira o arado deve ser mais vantajosamente conduzido. Mas, que loucura abandonar-se a tal disputa quando é impossível chegar a sensações análogas, porque tão pouco é análoga a sensibilidade! Contudo, o homem de mais rudes e vulgares sentimentos poderá perceber que os encantos e agrados da vida aparentemente mais supérfluos absorvem a nossa maior diligência, e que nos deixariam pouco maleáveis para os variados esforços da vida se pretendêssemos suprimi-los. De igual modo, ninguém há tão grosseiro que não sinta que um acto moral, pelo menos para com o próximo, tanto mais comove quanto mais se afasta do interesse próprio e quanto mais nele ressaltam motivos nobres.
Quando observo alternativamente o lado nobre e o débil dos homens acuso-me a mim mesmo de não poder tomar o ponto de vista sob o qual se fundam estes contrastes no grande quadro da natureza humana, como num conjunto impressionante. Compreendo que nas linhas gerais da grande natureza estas grotescas situações não podem ter uma significação nobre, ainda que sejamos demasiado míopes para as contemplar sob este aspecto. Numa rápida visão do assunto parece-me, sem dúvida, observar o seguinte: Os homens que procedem segundo princípios são muito poucos, cosa que até é muito conveniente, pois com facilidade estes princípios são falseados, e então o perigo que disso deriva chega tanto mais longe quanto mais geral é o princípio e mais firme a pessoa que o adoptou.
Os que obedecem à vontade espontânea são muitos mais, o que é bom, ainda quando não possa ser contado como um mérito particular da pessoa. Estes instintos virtuosos faltam por vezes: mas, por termo médio, cumprem perfeitamente o grande propósito da natureza, igualmente como os outros instintos, mercê dos quais se move com tanta regularidade o mundo animal. Os que como único ponto de referência para os seus esforços têm fixa ante os olhos a sua adorada pessoa e procuram fazer girar tudo em torno do seu egoísmo, como eixo maior, são o maior número, e isto vem a resultar também muito benéfico; estes, de facto, são os mais inteligentes, ordenados e precavidos; dão consistência e firmeza ao todo e, sem terem essa intenção, são úteis em geral enquanto facilitam as necessidades imprescindíveis e preparam as bases sobre as quais as almas delicadas podem estender a formosura e a harmonia. Finalmente o amor pela honra acha-se no coração de todos os homens, ainda que em medida diferente, e presta ao conjunto uma encantadora beleza, próxima do maravilhoso. Ainda que o desejo de honra seja uma louca quimera quando se converte em regra á qual se subordinam as outras inclinações, como impulso concomitante resulta muito útil. Cada qual, ao realizar os seus actos no grande cenário social, segundo as suas inclinações dominantes, vê-se movido por um impulso secreto a tomar mentalmente um ponto de vista fora de si mesmo para julgar a aparência do seu proceder, tal como se apresenta avista do espectador. Os diversos grupos unem-se assim num quadro de expressão magnífica, onde a unidade transparece na grande diversidade, o conjunto da natureza moral mostra-se em si belo e digno.

CAPÍTULO III

Da diferença entre o sublime e o belo na relação recíproca de ambos os sexos

Quem pela primeira vez aplicou á mulher a designação de belo sexo, acaso quis dizer alguma galanteria, mas acertou melhor do que ele mesmo poderia imaginar. Sem ter em conta que a sua figura é, no geral, mais fina, as suas atitudes mais delicadas e doces, o seu rosto mais significativo e cativante na expressão do afecto, da graça e da afabilidade do que no sexo masculino; sem esquecer o que deve atribuir-se ao encanto secreto, que inclina a nossa paixão a juízos favoráveis, há no carácter deste sexo atitudes particulares que o diferenciam claramente do nosso e o fazem distinguir-se pelo realce do belo.
Por outro lado poderíamos nós aspirar à denominação de nobre sexo se não se exigisse no carácter nobre o desprezo pelos títulos honoríficos e o concedê-los mais facilmente do que recebê-los. Não se entenda por isto que a mulher carece de qualidades nobres, ou que a beleza deva faltar por completo ao sexo masculino; antes deve aspirar-se a que em cada sexo apareçam unidas as duas coisas; mas de tal forma que na mulher todas as outras vantagens se combinam somente para fazer ressaltar o carácter do belo, nelas o verdadeiro centro, e no homem sobressaia o sublime como característica. A isto devem referir-se todos os juízos acerca das duas metades da espécie humana, tanto dos lisonjeiros como dos atacantes; isto hão-de ter em vista a educação e o ensino, e todo o esforço para fomentar a perfeição moral de uma e outra, se não se quiser tornar imperceptível a encantadora diferença que a natureza quis estabelecer entre ambas. Não é suficiente pensar que se tem perante si homens; é mister não perder de vista que estes homens não são de uma mesma classe.
A mulher tem um sentimento inato para tudo o que é belo e adornado. Já na infância se compraz em compor-se e os adornos tornam-na mais agradável. São limpas e muito sensíveis quanto ao repugnante.
Gostam de chalaças, e distrai-as uma conversação ligeira desde que seja alegre e risonha.
Muito cedo têm um carácter judicioso, sabem adoptar um ar fino e são donas de si mesmas, e isto numa idade em que a nossa juventude masculina bem-educada é ainda indómita, grosseira e rude. Mostram um interesse muito afectuoso, bondade natural e compaixão: preferem o bel ao útil e gostam de poupar no sustento para manterem as despesas do vistoso.
São muito sensíveis à menor ofensa e sumamente finas para advertir a mais ligeira falta de atenção e respeito para com elas. Numa palavra, representam dentro da natureza humana o fundamento do contraste entre as qualidades belas e as nobres, e o sexo masculino torna-se mais delicado com o seu convívio.
Espero que se me dispensará a enumeração das qualidades masculinas no seu paralelismo com o sexo oposto, e que bastará considerar comparativamente umas e outras. O belo sexo tem tanta inteligência como o masculino, mas é uma inteligência bela; a nossa é uma inteligência profunda, expressão de significado equivalente ao sublime.
A beleza dos actos manifesta-se na sua ligeireza e na aparente facilidade da sua execução; já os afãs e as dificuldades superadas suscitam assombro e correspondem ao sublime. A meditação profunda e o exame prolongado são nobres, mas pesados, e não assentam bem numa pessoa em que os pequenos actos espontâneos somente devem mostrar uma natureza bela. O estudo trabalhoso e a reflexão penosa, ainda que uma mulher fosse longe neles, estragam os méritos peculiares do seu sexo, e se a raridade destas condições no seu sexo as converte em objecto de fria admiração, debilitam ao mesmo tempo os encantos que lhes outorgam o seu forte império sobre o sexo oposto. A uma mulher com cérebro cheio de grego, como a senhora Dacier, ou que sustente acerca de mecânica discussões fundamentais, como a marquesa de Chastelet, parece que apenas lhe falta uma boa barba; com ela o seu rosto daria a melhor expressão de profundidade que pretende. A inteligência bela elege por seus objectos os mais análogos dos sentimentos delicados, e abandona as especulações abstractas o os conhecimentos úteis, mas áridos à inteligência aplicada, fundamental e profunda. a mulher, portanto; não deve aprender nenhuma geometria; do princípio da razão suficiente, ou das mónadas, somente saberão indispensável para entender o chiste nas poesias humorísticas com que satirizam os superficiais satirizadores do nosso sexo. Podem deixar que Descartes continue fazendo girar o seu torvelinho sem se preocuparem com isso, ainda que o amável Fontenelle quisesse abrir para ela um salão entre os planetas; e o atractivo dos seus encantos não perde nada da sua energia se não souberem uma palavra do que Algoretti, para proveito seu e seguindo Newton, se esforçou por escrever acerca das forças de atracção das matérias grosseiras. Na história não encherão a cabeça com batalhas nem em geografia com fortalezas; tão mal assenta nelas o odor da pólvora como nos homens o do almíscar.
Parece uma astúcia maliciosa dos homens terem querido desviar o belo sexo para este campo errado. Conscientes da sua fraqueza perante os encantos naturais do belo sexo, e de que basta uma olhadela enganadora para lançá-lo em maior confusão do que a mis difícil questão científica, mal a mulher cai neste campo, sentem-se em franca superioridade e em situação de acudir, benévolos, em auxílio da vaidade feminina. O conteúdo da grande ciência da mulher é mais o humano, e dentro do humano, o homem. A sua filosofia não consiste em raciocínios, mas na sensibilidade. Esta circunstância deve ter-se em conta ao proporcionar-se-lhe ocasiões de cultivar de cultivar a sua formosa natureza. Procurar-se-á ampliar-lhe todo o seu sentimento moral e não a memória, valendo-nos não de regras gerais, mas do juízo pessoal acerca dos actos que vêm à sua volta. Os exemplos tirados de outros tempos para ver a influência que o belo sexo exerceu nos assuntos, as diversas relações que noutras épocas ou em países estranhos se encontram com respeito ao masculino, o carácter de ambos, segundo estas particularidades podem explica-lo, e o gosto variável nas diversões, constituem toda a sua história e geografia.
É belo que se torne agradável a uma mulher a vista de um mapa onde se representa a Terra ou toda a porção mais importante dela. Isto obtém-se apresentando-lho somente com o propósito de descrever os diversos caracteres dos povos que a habitam, suas diferenças no porte e no sentimento moral, principalmente quanto à influência que têm na elação de ambos os sexos, explicando tudo ligeiramente pela diferença de clima, a liberdade ou a escravidão. Pouco importa que saibam ou não as divisões particulares destes países, a sua indústria, o seu poderio ou os seus soberanos. Do universo, igualmente, é mister que conheçam somente o necessário para tornar-lhes comovedor o espectáculo do céu numa formosa noite, quando tenham compreendido de certo modo que existem outros mundos e neles Formosas criaturas. O sentimento para a pintura e para a música não como arte, mas como expressão de sensibilidade, afina o eleva o gosto deste sexo e tem sempre alguma relação com os movimentos morais. Nunca um ensino frio e especulativo, mas sempre sensações, e estas permanecendo tão próximas quanto possível das suas condições de sexo. Semelhante instrução é muito rara porque exige aptidões, experiência e um coração cheio de sentimento. De qualquer outra pode a mulher muito bem prescindir e ainda sem esta se afina muito bem por si própria.
A virtude da mulher é uma virtude bela (8). A do sexo masculino deve ser uma virtude nobre. Evitarão o mal não por injusto mas por feio, e actos virtuosos são para elas os moralmente belos. Nada de dever, nada de necessidade, nada de obrigação. à mulher é insuportável toda a ordem, toda a construção mal-humorada. Fazem alguma coisa somente porque lhes agrada, e a arte consiste em fazer que lhes agrade aquilo que é bom.
Mas parece difícil que o belo sexo seja capaz de princípios – espero não o ofender com isto, pois também são extremamente raros no masculino.
Por isso a Providência outorgou ao seu coração sentimentos bondosos e benévolos, um fino sentimento para a honestidade e uma alma complacente. Não se lhe exijam além disso sacrifícios e um generoso domínio de si mesma. Um homem não deve dizer nunca à sua mulher que arriscou uma parte da sua fortuna por um amigo. Para quê manietar a sua alegre loquacidade sobrecarregando o seu espírito com um segredo cuja guarda a ele somente incumbe? Até muitas das suas debilidades são, por assim dizer, belos defeitos. A ofensa e o infortúnio comovem até à tristeza a sua terna alma. O homem não deve nunca chorar mais do que lágrimas magnânimas. As que derrama por dor ou por situações de desdita depreciam-no. A vaidade que se costuma reprovar ao belo sexo, se é de facto um defeito, é um belo defeito. Prescindindo de que os homens, tão amigos de galantear as damas, se encontrariam numa má situação se elas não estivessem dispostas a admitir as suas lisonjas, esta condição não faz mais do que avivar os seus encantos. é um estímulo para se mostrar amável e graciosa, para se abandonar ao jogo de uma jovialidade engenhosa, e também para brilhar nos variáveis recursos das galas e realçar a formosura. nisto não há nada ofensivo para os outros, senão antes, quando a inspira o bom gosto, alguma coisa tão encantadora que seria inconveniente condená-la. A uma mulher que em tal ponto é demasiado ligeira e folgazã chama-se-lhe leviana, expressa que, sem dúvida, não tem significação tão clara como no homem, com a sílaba final mudada; bem entendida, pode encerrar por vezes uma lisonja carinhosa. Se a vaidade é defeito que numa mulher bem merece desculpa, a presunção nelas não é somente censurável como em toda a pessoa em geral, mas também lhes desfigura completamente o carácter do sexo. Este defeito é muito feio e opõe-se directamente ao atractivo dos encantos modestos. a pessoa dominada por ele não tarda em pôr-se numa situação delicada. Deve esperar que a julguem sem indulgência, duramente; quem aspira a uma alta consideração convida à censura.
A descoberta do menor defeito proporciona a todos uma alegria, e a palavra leviana perde aqui a sua significação atenuada. Hão-de distinguir-se sempre a vaidade e a presunção. A primeira solicita o aplauso e honra decerto modo àqueles que para isso trabalham; a segunda vê-se em completa posse, e não se esforçando por conseguir, não conseguirá obtê-la.
Se uma certa dose de vaidade não diminui em nada uma mulher perante os olhos do sexo masculino, contribui, não obstante, quanto mais visível é, para dividir entre si o belo sexo.
Julgam-se entre si muito duramente, mal uma delas parece obscurecer os encantos das outras e, realmente, as que têm grandes pretensões de sedução são raras vezes amigas entre si, em verdadeiro sentido.
Nada é mais contrário ao belo do que o repugnante, assim como nada está muito abaixo do sublime do que o ridículo. Por isso nenhuma injúria pode ser mais sensível a um homem do que chamar-se-lhe tolo, nem a uma mulher do que ouvir-se qualificar de repugnante. O inglês acha que não se pode dirigir ao homem reprovação pior do que a de embusteiro, e a uma mulher nenhuma pior do que considerá-la desonesta. Deixemos a isto o seu valor no que se considera o rigorismo da moral. Aqui não se trata do que em si próprio merece mas censura, mas do que em realidade fere mais vivamente. E em sentido pergunto eu a cada leitor se quando se põe mentalmente em tal caso não se cinge à minha opinião. A senhora Ninon Lenclos não tinha pretensão nenhuma à honra de honestidade e, sem dúvida, teia sido ofendida cruelmente se um dos seus amantes tivesse ido tão longe nas suas recriminações; e é conhecido o trágico fim de Monaldeschi por uma expressão ofensiva de tal género a uma princesa que certamente não pretendeu figurar com uma Lucrécia. É insuportável que não se possa fazer mal anda que se queira, porque a abstenção neste caso é uma virtude muito duvidosa.
Para se afastar o mais possível do repugnante convém a limpeza, que fica bem a toda a gente. no belo sexo pertence às virtudes de primeira fila e dificilmente pode ser exagerada, enquanto que no homem ultrapassa por vezes a medida e resulta pueril.
O pudor é um segredo da natureza para opor barreira a uma inclinação muito rebelde e que contando com a voz da natureza parece conciliar-se sempre com boas qualidades morais, ainda quando incorre em excessos. O pudor é, portanto, como suplemento dos princípios, sumamente necessário. Nunca tão facilmente como neste caso a inclinação se torna sofista para imaginar-se princípios favoráveis. Serve além disso, para correr uma cortina ante os mais convenientes e necessários fins da natureza, para que uma demasiada familiaridade com eles não ocasione repugnância, ou pelo menos indiferença, com respeito aos propósitos de um instinto ao qual andam unidas as inclinações mais delicadas e finas da natureza humana. Esta qualidade é principalmente própria do belo sexo e fica-lhe muito bem. Deve considerar-se como uma grosseira e depreciável inconveniência lançar em confusão e desagrado a delicada honestidade desse sexo, com as plebeias chalaças que costumam chamar-se frases equívocas. Mas, em último termo, a inclinação sexual é o fundamento de todos os outros encantos, e uma mulher é sempre, como mulher, o agradável objecto de uma conversação educada.
Isto poderia explicar que homens finos se permitam, por vezes, a liberdade de deixar transparecer alusões delicadas com pequenos gracejos picantes, que fazem apelidá-los de livres ou travessos. Senão ofendem com olhares atrevidos, nem se vê nas suas palavras a intenção de ferir a dignidade, supõem-se autorizados a qualificar de bisonha, a dama que recebe os seus gracejos com gesto azedo ou de aborrecimento. Refiro-me a isto porque se considera comummente como um rasgo um ouço atrevido da conversação, e muito engenho se tem gasto com ele. Quanto ao estrito juízo moral que o caso mereça não pertence a este trabalho; no sentimento do belo, somente tenho que observar e explicar os fenómenos.
As nobres qualidades deste sexo, em que, como notei já, nunca se há-de encontrar de menos o belo, em nada se manifestam mais clara e seguramente do que na modéstia, uma espécie de nobre simplicidade e ingenuidade recobrindo notáveis qualidades. Dele brota ma tranquila afectuosidade para os outros, ao mesmo tempo unida a uma nobre confiança em si mesmo e uma razoável estima própria, que sempre se encontra num carácter elevado.
Esta mescla, realçada ainda pelos encantos e pelo respeito que infundo, põe em segurança todas as outras brilhantes qualidades contra a malícia de censura ou de mentira.
As pessoas deste carácter têm, também, coração para a amizade que na mulher nunca poderá estimar-se o suficiente, por ser tão rara e porque ao mesmo temo é muito deliciosa.
Como o nosso propósito é analisar sentimentos, não pode ser desagradável reduzir, na medida do possível, a conceitos as diferentes impressões que a figura e o rosto do sexo belo produzem no masculino. Toda esta sedução é no fundo formada do instinto sexual. a natureza persegue o seu grande propósito e todas as delicadezas acrescentadas., por muito que dele pareçam desviar-se, são somente ornamentos e tomam o seu encanto justamente desse mesmo manancial. Um gosto rude e são, atido sempre de perto a estes instintos, preocupar-se-á pouco, numa mulher, com os encantos do talhe, do rosto, dos olhos, etc.; desde que somente tenha em conta o sexo, considera quase sempre como vão palavreado as delicadezas dos outros.
Ainda que pouco delicado não deve menosprezar-se este ponto. É por ele que a maior parte dos homens observa a grande ordem da natureza de uma forma muito simples e segura (9). é por ele que se realiza o maior número de matrimónios, e até da parte mais aplicada do género humano. Como a cabeça do homem não se enche com um rosto formoso, uns olhos lânguidos, um porte nobre, etc., e até carece de sentido para tudo isto, mas atenção concederá às virtudes domésticas, à economia, etc., e ao dote.
Pelo que se refere ao gosto, algo de mais fino, que necessita uma distinção nos encantos exteriores da mulher, umas vezes prefere o que há de moral na figura e na expressão do rosto, outras vezes o não moral.
Em relação aos atractivos desta última espécie qualifica-se uma mulher de bonita. Um talhe proporcionado, linhas regulares, uma linda coloração dos olhos e do rosto, são belezas que também agradam num ramo de flores e obtêm fria aprovação. O próprio rosto, ainda que seja bonito, não exprime nada e não fala ao coração.
Já a expressão moral das feições, dos lhos e da fisionomia, pode tender para o sublime ou para o belo.
Uma mulher cujos atractivos, que ao seu sexo convêm, faz predominar a expressão do sublime, é qualificada de bela em sentido próprio; aquela cuja fisionomia moral, tal como se manifesta no porte ou nas atitudes do rosto, anuncia as qualidades do belo, é agradável, e quando isto acontece com maior intensidade, encantadora. A primeira, debaixo de um ar de calma e duma nobre compostura, deixa aparecer o brilho duma bela inteligência com olhares modestos, e ao pintar-se no seu rosto um terno sentimento e uma alma bondosa, apodera-se tanto da inclinação como do respeito profundo dum coração masculino. a segunda mostra alegria e engenho nos olhos risonhos, ma fina malícia, humor trocista e desdéns travessos. Enquanto a primeira comove, a segunda seduz e o amor de que é capaz e que aos outros infunde é ligeiro, mas belo; pelo contrário, na primeira é terno e constante e une-se a respeito. Não posso entregar-me a uma análise deste género demasiado pormenorizada, porque em tas casos parece aos outros pintar as suas preferências pessoais. Contudo quero acrescentar que o gosto de muitas damas pela cor sã, mas pálida, se compreende por isto: tal cor acompanha comummente um carácter de sentimentos mais íntimos e sensibilidade mais terna, que corresponde à qualidade do sublime; a cor rosada e viva, pelo contrário, dá mais a impressão de um espírito e animado, e a vaidade prefere comover e cativar a encantar e seduzir. Acontece também que uma mulher seja muito bonita, sem que o seu rosto expresse nenhum sentimento moral, sem uma particular expressão, indício de uma alma sensível; mas nem comove nem encanta senão a homens de gosto rude, gosto que por vezes se afina, e então, à sua maneira, também escolhe. É de lastimar que tais Formosas criaturas caiam facilmente no defeito da presunção por saberem demasiado a bela figura que lhes mostra o espelho e por falta de sensibilidade delicada; então todos se mostram frios com elas, excepto o adulador que persegue os seus propósitos e procura ir tecendo as suas intrigas.
Estas considerações podem permitir-nos compreender de certo modo o efeito que uma mulher produz no gosto dos homens. Passo por alto, pois não pertence ao domínio do gosto delicado aquilo que, nesta impressão, se refira demasiado de perto ao instinto sexual ou que possa olhar-se em concordância com a particular ilusão voluptuosa de que a sensação em cada um se reveste. Talvez seja exacto o suposto por Bouffon, de que a figura que impressiona pela primeira vez, quando este instinto é ainda novo e começa a desenvolver-se, continua sendo o modelo com o qual mais ou menos devem concordar no futuro todas as figuras femininas para excitar o desejo imaginativo, por cujos ditames uma inclinação bastante grosseira se vê obrigada a eleger entre os diferentes indivíduos do sexo contrário. No que se refere ao gosto mais delicado, parece-me que o género de beleza denominado por nós figura bonita, é julgado de forma bastante análoga por todos os homens e que acerca dele não são tão diversas as opiniões como geralmente se pensa. As raparigas circanianas e georgianas foram sempre consideradas como extraordinariamente bonitas por todos os europeus que atravessaram este países. os turcos, os árabes e os persas acham-se, sem dúvida, muito de acordo com este gosto, pois desejam com grande afinco embelezar os seus povos com tão fino sangue e observa-se que a raça persa o conseguiu.
Os mercadores do Indostão não deixam de tomar partido, por meio dum comércio malvado, de tão belas criaturas, conduzindo-as aos seus gulosos domínios. Verifica-se que, apesar de toda a diversidade no gosto destes diferentes países, o que num deles se reconhece como simplesmente bonito, é-o também para os outros. Mas quando no juízo de uma pessoa delicada se mistura o que é moral nos traços, aparecem sempre grandes divergências entre os diferentes homens, tanto pela diferente sensibilidade moral destes como pelo diverso significado que os traços do rosto podem ter na imaginação de cada um. É frequente encontrar figuras, à primeira vista sem interesse particular por não serem bonitas de uma maneira determinada, que, mal começam a agradar num convívio mais íntimo, se vão apoderando daquele que as contempla e parecem aformosear-se continuamente; ao contrário, uma aparência bonita que se revela de momento é olhada depois com maior frieza. Deve-se provavelmente a que os encantos morais, onde se revelam, cativam mais, e também porque deixam sentir o seu efeito dando ocasiões a sensações morais. Cada descoberta de um encanto deixa suspeitar outros mais, enquanto que todos os atractivos patentes, uma vez exercido todo o seu efeito, não podem, no futuro, senão esfriar a curiosidade enamorada e convertê-la pouco a pouco em indiferença.
Uma observação a estas considerações parece espontaneamente apresentar-se. A sensibilidade simples e rude nas inclinações sexuais conduz, certamente, por caminhos muito rectos ao grande fim da natureza e como as exigências deste ficam satisfeitas, parece a mis apropriada para fazer feliz, sem complicações, o que a possui; mas o seu carácter indistinto e pouco exigente fá-la degenerar com facilidade em excessos e em libertinagem. Um gosto muito apurado, pelo contrário, deixa às inclinações o seu carácter brutal e ao limitá-las a muito poucos objectos torna-as decentes e decorosas, mas erra geralmente o grande propósito último da natureza, e como exige ou espera mais do que o concedido comummente por esta, raras vezes costuma fazer feliz a pessoa de sensibilidade tão delicada. O primeiro carácter é rude porque se dirige a todas as pessoas de um sexo; o segundo, sonhador, pois não se dirige propriamente a nenhuma, ocupado somente com um objecto que a imaginação amorosa forjou no pensamento e adornou com todas as qualidades nobres e belas que raramente a natureza junta numa só pessoa, e ainda mais raras vezes oferece a quem possa apreciá-las e seja digno de tal posse. Daqui resulta a demora dos vínculos matrimoniais e, finalmente, a total renúncia a eles ou, o que é igualmente lamentável, o triste arrependimento depois de realizada uma eleição que não correspondeu às grandes esperanças concebidas; não é raro que o galo esópico encontre uma pérola quando, seguramente, um vulgar grão de trigo lhe convinha mais.
Temos de observa aqui em geral que, por muitos sedutoras que sejam as impressões da sensibilidade delicada, convém ser precavidos ao refinamento da mesma se não queremos atrairmo-nos muitos desgostos e criar, por um excesso neste sentido, uma fonte de contratempos. Eu aconselharia as almas nobres a que refinassem o pensamento quanto possível no que respeita às suas próprias qualidades ou aos seus actos e, em compensação, conservarem gostos pouco existentes para aquilo que desfrutam ou esperam dos outros; somente uma coisa encontro difícil: a possibilidade deste equilíbrio. Mas no caso de a terem faria felizes os outros e sê-lo-iam eles também. Não se deve perder nunca de vista que, de qualquer modo, convém não ter muitas pretensões no que se refere às possibilidades da vida e à perfeição dos homens, pois quem somente espera o médio tem a vantagem de o resultado poucas vezes contradizer as suas esperanças e ainda por cima o surpreenderem também perfeições insuspeitadas.
a todos estes encantos ameaça finalmente a idade, devastadora da beleza, e a ordem natural das coisas parece exigir que as qualidades sublimes e nobres substituam as belas, para que a pessoa vá sendo digna de maior respeito na medida em que deixa de ser amável. Sou de opinião que a completa perfeição do belo sexo, na flor da idade, deveria consistir na formosa simplicidade, realçada por um sentimento apurado de tudo o que é nobre e sedutor. Pouco a pouco, conforme vão desaparecendo as pretensões ou os encantos, a leitura e o cultivo da inteligência poderiam substituir insensivelmente, com a poesia, a perda das graças, e o marido deveria ser o primeiro mestre. Contudo, ainda ao aproximar-se o momento, tão terrível para toda a mulher, de fazer-se velha, continua pertencendo ao belo sexo e desfigura-se ia a si própria se, desesperando de conservar mais tempo o carácter próprio, se entregasse ao mau humor e à tristeza.
Uma dama já entrada nos anos, que modesta e amistosamente convive em sociedade com loquacidade alegre e judiciosamente favorece de um modo digno as diversões da juventude, nas quais ele própria toma parte, cuidando de tudo e assistindo, contente e satisfeita à alegria que a rodeia, é sempre uma pessoa mais fina do que um homem da mesma idade, e acaso ainda mais amável do que uma rapariga, embora noutro sentido. Certamente deveria ser demasiado místico o amor platónico que expressava um filósofo antigo quando dizia do objecto da sua inclinação: «As graças residem nas suas rugas, e a alma parece assomar-me aos lábios quando beijo a sua boca murcha». Deve também renunciar-se imediatamente a semelhantes pretensões. Um homem velo e namorador é um fátuo, e veleidades análogas do outro sexo tornam-se repugnantes.


Para não perder de vista o meu tema, quero ainda estabelecer algumas observações acerca do influxo que os sexos podem exercer reciprocamente para embelezar ou enobrecer o espírito do outro.A mulher tem um sentimento de preferência para o belo no que a ela própria se refere mas no sexo masculino sente principalmente o nobre. Em compensação o homem prefere o nobre em si e o belo na mulher. Daqui devemos deduzir que os fins da natureza tendem, mediante a inclinação sexual, para o encaminhamento sempre maior do homem e para o aformoseamento também maior da mulher. à mulher importa-lhe pouco não possuir certas visões elevadas, não se ver chamada para negócios importantes e ser tímida; é bela, cativa e basta-lhe. Em compensação exige todas estas qualidades no homem e a sublimidade da sua alma mostra-se em saber apreciar todas estas nobres qualidades ao encontrá-las nele. Doutra forma, como poderia acontecer que homens de figura grotesca, possuindo, no entanto, grandes méritos, possam conseguir tão amáveis e tão lindas mulheres? Ao contrário, o homem é muito mais exigente quanto aos belos encantos da mulher.
A figura delicada, a ingenuidade alegre e o afecto encantador indemnizam-no suficientemente da falta de erudição livresca e outras faltas que com o seu talento pode suprir. a vaidade e as modas podem dar uma falsa direcção a estes instintos naturais e converter muitos homens em indivíduos maçadores e as mulheres em pedantes ou amazonas, mas a natureza procura sempre restabelecer as suas disposições. Julgue-se por isto a poderosa influência que a inclinação sexual poderia exercer, principalmente sobre o sexo masculino, com o fim de o enobrecer se, em lugar de numerosos e secos ensinamentos, se despertasse cedo o sentimento da mulher, para perceber, de um modo conveniente, o que corresponde à dignidade e ás sublimes qualidades, e se preparasse para olhar com desprezo os fátuos petimetres e a não render o seu coração a outra qualidade que não fosse a dos méritos. Também é indubitável que o poder dos seus encantos poderia ganhar com isso, pois a sedução destes evidentemente só se exerce sobre damas nobres; as outras não são suficientemente finas para os sentir.
Neste sentido contestou o poeta Simonides, quando o aconselhavam a entoar os seus belos cantos perante as tessalianas: «Estas raparigas são demasiado estúpidas para que possam ser enganadas por um homem como eu».
Já bastante se considerou como é um efeito do convívio com o belo sexo, a dulcificação dos costumes masculinos, o procedimento mais suave e atento e a compostura mais elegante; mas isto é somente uma vantagem acessória (10). O importante é que o homem se torne mais perfeito como homem, e a mulher como mulher; quer dizer, que os efeitos da inclinação sexual operem no sentido indicado pela natureza, para enobrecer mais um e aformosear mais as qualidades da outra.
Postos num caso extremo, o homem poderá dizer, cheio de confiança nos seus méritos: «Ainda que vós não me ameis, quero forçar-vos a que me estimeis»; segura do poder dos seus encantos, responderá a mulher: «Ainda que vós, interiormente, não me estimeis muito, obrigo-vos, sem dúvida, a amar-me».
Por falta de tais princípios vêem-se homens pretendendo agradar com maneiras feminis, e mulheres, por vezes – ainda que mais raramente - , afectarem uma atitude masculina para inspirarem mais respeito; mas o que se faz contra opinião da natureza faz-se sempre muito mal.
Na vida conjugal, o par unido deve constituir como que uma só pessoa moral, regida e animada pela inteligência do homem e pelo gosto da mulher. e não é somente que ao primeiro se deva atribuir uma visão mais clara, fundada na experiência, e à segunda mais liberdade e justeza na sensibilidade; quanto mais elevado seja, mais se esforçará um carácter em proporcionar satisfação ao objecto amado, e por outro lado, quanto mais belo seja, tanto mais procurará corresponder afectuosamente a estes esforços. Neste sentido, torna-se pueril a luta para a proeminência, e onde tal acontece, é sinal de um gosto grosseiro e desigualmente aparelhado. Quando se chega a alegar o direito de quem anda, as coisas estão perdidas, esta união, que deve fundar-se somente na simpatia mútua, quebra-se, mais dever principia a fazer-se ouvir. As pretensões da mulher neste tom duro são extremamente odiosas, e as do homem, ignóbeis e desprezíveis em alto grau. a sábia ordem das coisas faz com que todas estas delicadezas de sentimento somente no princípio tenham toda a sua força; depois o convívio e a vida familiar debilitam-nas paulatinamente, ate as converterem num amor confiado, cuja grande arte consiste em confiar o resto suficiente delas para que a indiferença e o tédio não tirem todo o valor ao prazer que unicamente recompensa o contrair tal enlace.

CAPÍTLO IV

Dos caracteres nacionais (11) enquanto descansam na diferente sensibilidade para o sublime e para o belo

Entre os povos da nossa parte do mundo, são, na minha opinião, os italianos e os franceses os que mais se distinguem dos outros pelo sentimento do belo, e os alemães, os ingleses e os espanhóis, os que mais sobressaem no sublime. A Holanda pode ser considerada como a terra em que este gosto delicado é bastante imperceptível.
O belo, umas vezes subjuga e comove, outras mostra-se risonho e encantador. No primeiro caso contém algo do sublime, e a alma, com este sentimento, cai no sonho e no êxtase; no segundo caso é alegre e sorridente. Aos italianos prece convir mais o primeiro género do sentimento do belo; aos franceses o segundo. A expressão do sublime contida no carácter nacional é, já do género terrível, um pouco inclinado para o extravagante, já um sentimento para o nobre, já para o magnífico. Creio ter fundamentos para poder atribuir o sentimento do primeiro género ao espanhol; o do segundo ao inglês; e o do terceiro ao alemão. O sentimento para o magnífico não é, por natureza, original, como os outros géneros do gosto, e ainda que o espírito de imitação possa unir-se a qualquer outro sentimento, é mais peculiar no sentimento sublime brilhante pois, no fundo, este é um sentimento misto do belo e do nobre. Cada um destes, considerado de per si, é mais frio, e a alma que o possui é mais livre para notar os exemplos e precisa de ser estimulada por estes. O alemão terá, pois, menos sentimento que o francês quanto ao belo, e menos que o inglês quanto ao sublime; mas nos casos em que ambos pareçam unidos, a sua sensibilidade sente-se mais à vontade e evitará os defeitos a que arrastaria uma violência excessiva em cada uma destas classes de vencimentos.
Vou referir-me, somente de passagem, às artes e às ciências, cuja eleição pode confirmar o gosto das nações, tal como lho temos atribuído. O génio italiano destacou-se principalmente na música, na pintura, na escultura e na arquitectura. Todas estas belas artes encontram em França um gosto igualmente delicado, apesar da sua beleza ser aqui menos impressionante. O gosto, quanto à perfeição poética ou oratória, inclina-se em França mais para o belo e na Inglaterra mais para o sublime. O fino gracejo, a comédia, a sátira, os exageros amorosos e o estilo naturalmente fluido são, ali, originais. na Inglaterra, pelo contrário, são os pensamentos de conteúdo profundo, a tragédia, a poesia épica e, em geral, o pesado ouro de génio que sob o martelo francês pode ser estendido em delgadas folhas de grande superfície.
Na Alemanha brilha ainda bastante o génio através da folharada. Dantes era grosseiro, mas com os exemplos e a inteligência do povo tornou-se, certamente mais encantador e nobre, ainda que o primeiro com menos ingenuidade e o segundo com voo menos atrevido do que nos outros povos mencionados.
O gosto da nação holandesa por uma ordem meticulosa e um acabamento que se torna exagerado e desconcertante, faz supor também pouca sensibilidade para os movimentos livres e naturais do génio, cuja beleza resultaria somente desfigurada por uma correlação trabalhosa dos defeitos. Nada pode ser mais contrário às artes e às ciências do que um gosto extravagante, porque tortura que a natureza, que é o modelo do belo e do nobre. Por isso a nação espanhola mostra pouco sentimento para as belas-artes e para as ciências.
Os caracteres dos povos mostram-se principalmente nas suas tendências morais; por tal razão, vamos examinar, debaixo deste ponto de vista, os diferentes sentimentos dos mesmos quanto ao sublime e ao belo (12).
O espanhol é sério, calado e verdadeiro. Poucos comerciantes há no mundo mais honrados que os espanhóis. Tem uma alma orgulhosa e sente mais as acções grandes do que as belas. Como o seu espírito não encerra benevolência bondosa e doce, é frequentemente duro e até cruel. O auto de fé conserva-se, não tanto pela superstição como pelas inclinações extravagantes do povo.
Não pode dizer-se que o espanhol seja mais altivo ou mais enamorado que qualquer outro povo, mas é-o de uma maneira extravagante e rara.
Abandonar o arado e passear com uma larga espada e uma capa pelo campo até eu o estrangeiro, de passagem por ali, desapareça, ou numa corrida, onde as belas são vistas sem véu, declarar, com particular saudação, qual é a dama dos seus pensamentos, e aventurar-se em sua honra a uma luta perigosa com a besta selvagem, são actos invulgares, muito longe do natural.
Na sensibilidade de um italiano parecem juntar-se a dum espanhol e a dum francês; é mais sensível ao belo do que o primeiro e mais sublime do que o segundo. Desta forma podem explicar-se, no me entender, as várias atitudes do seu carácter moral.
O francês em ma sensibilidade predominante para o belo moral. É amável, cortês e complacente. Ganha intimidade com facilidade, gosta do gracejo e o seu trato é fácil. A expressão um homem ou uma mulher de bom-tomsomente tem significação inteligente para quem adquirir a sensibilidade amável de um francês. Até as sus emoções e que não são poucas, estão subordinadas ao sentimento do belo e recebem a sua força pela concordância com este.
Gosta de ser engenhoso e sacrificará sem remorsos alguma coisa de verdade á ocorrência. Em compensação, onde não se pode ser engenhoso (13), tem uma penetração tão funda como qualquer outro povo; por exemplo, nas matemáticas ou nas outras ciências ou artes puas e profundas. Nele não tem um bom mot (*) o valor passageiro que te noutras partes; fazem – no circular com entusiasmo e conservam-no em livros como o mais importante acontecimento. é um cidadão aprazível, e vinga-se dos vexames dos traficantes vulgares, com sátiras ou com representações nos Parlamentos, que depois de terem dado, segundo o seu propósito, um prestígio patriótico as pais da pátria, não conseguem mais do que serem coroados com citação honrosa e cantadas em engenhosos versos encomiásticos. Onde se encontram principalmente os méritos e as condições naturais deste povo é na mulher (14). E não porque seja mais amada ou apreciada que nas outras partes, mas porque dá ocasião a manifestar os mais preferidos dons do engenho da amabilidade e das boas maneiras; de resto uma pessoa vaidosa, dum ou doutro sexo, não ama mais que a si própria. A outra não passa de ser um joguete. Como entre os franceses, ainda que não faltem as qualidades nobres, somente podem ser animadas pelo sentimento do belo, poderia, aqui, o belo sexo ter ma influência mais poderosa do que em nenhuma parte do mundo, para despertar e avivar os mais notáveis actos do masculino, se se tivesse pensado em favorecer um pouco esta direcção do espírito nacional.
O perigo que bordeja mais de perto este carácter nacional é frívolo ou, com expressão mais cortês, o ligeiro. Coisas importantes são tratadas com gracejos, e insignificâncias servem para uma ocupação séria. Já velho, ainda o francês canta canções alegres e, na medida do possível, é também galante com as damas. Para estas observações tenho ao meu lado grandes autoridades do mesmo povo, e por trás de um Montesquieu e de um d’Alembert ponho-me a coberto de todos os protestos possíveis.
O inglês é sempre glacial quando alguém começa a tratar com ele, mostra-se indiferente com os estranhos. Inclina-se pouco a miúdas complacências, mas, em compensação, uma vez amigo, está disposto a prestar grandes serviços. Não procura se r engenhoso na sociedade ou mostrar uma atitude amável; é judicioso e grave. Imita mal, não se pergunta o que pensam os outros e segue unicamente o seu próprio gosto. Com a mulher, não tem a amabilidade francesa, mas tem-lhe muito mais respeito e leva-o tão longe que no matrimónio concede-lhe normalmente uma consideração sem limites. É constante, por vezes até à obstinação; audaz e decidido, frequentemente até temerário, e actua segundo princípios, em muitas ocasiões até à pertinácia.
Converte-se facilmente num excêntrico, não por vaidade, mas por se preocupar pouco com os outros e porque não contraria facilmente o seu gosto por amabilidade ou imitação. Daqui o facto de ser raramente tão querido como o francês, mas, quando se conhece, é no geral mais estimado.
Num alemão misturam-se a sensibilidade de um inglês e de um francês, mas aparece em maior grau a do primeiro; a maior semelhança com o último é somente artificiosa ou imitada. Felizmente que se combinam nele o sentimento do sublime e do belo e, se no primeiro não iguala o francês nem o inglês, no segundo avantaja-se quando se reúnem ambos. É mais complacente no convivo que o primeiro, e se não se move na sociedade com tanta vivacidade e engenho como o francês, actua nela com mais modesta e juízo.
Igualmente como em todos os géneros do gosto, é também no amor bastante metódico, e como alia o belo com o nobre é suficientemente frio para se preocupar com a conveniência, o luxo e a aparência. Por isso, família, título e posição são para ele coisas de grande importância, tanto no amor coo nas relações mundanas.
Importa-se muito mais que os precedentes com que podem pensar os outros, e se há alguma coisa no seu carácter que possa levá-lo a desejar uma melhoria importante, é esta debilidade, pela qual não se atreve a ser original, ainda que tenha todas as condições para o ser. Rende-se demasiado à opinião dos outros, e isto tira toda a consistência às suas qualidades morais, fazendo-as inconstantes e falsamente artificiosas.
O holandês é um carácter ordenado e diligente, e como só considera o útil, tem pouca sensibilidade para o que, num sentido mais delicado, é belo e sublime. Um grande homem significa para ele o mesmo que um homem rico; por amigo entende o seu sócio, e torna-se fastidiosa uma visita que não lhe rende nada. Forma contraste tanto com o francês como com o inglês, e é de certo modo o alemão mais fleumático.
Se aplicarmos o ensaio destes pensamentos a um caso qualquer, como, por exemplo ao sentimento da honra, mostram-se as seguintes diferenças nacionais: a sensibilidade para a honra é no francês vaidade; no espanhol, arrogância; no inglês, orgulho; no alemão, ostentação; e no holandês envaidecimento. À primeira vista estas expressões podem significar coisas parecidas, mas há entre elas diferenças evidentes. A vaidade solicita o aplauso, é vácua e inconstante, mas a sua conduta externa é cortês. O arrogante está penetrado de uma pretendida superioridade e não o preocupa o aplauso dos outros; as suas maneiras são rígidas e enfáticas. O orgulho consiste propriamente na profunda consciência do valor próprio, que pode ser muito justa (por isso se lhe chama por vezes um sentimento nobre; pelo contrário nunca se pode atribuir a ninguém uma arrogância nobre, pois esta mostra sempre uma falsa e exagerada estima de si próprio); o procedimento do orgulhoso para com os outros é sempre indiferente e frio.
a ostentação é um orgulho que ao mesmo tempo é vaidade (15). Mas o aplauso que o ostentoso procura consiste em distinções honoríficas. Por isso gosta de brilhar com títulos, listas de antepassados e pompas aparatosas. O alemão está principalmente sujeito a esta debilidade.
Os termos Gnädig (vossa graça), Hochgnädig (vossa mui graciosa mercê) e Hoch-und Whol-Geboren (ilustre) e outros exageros parecidos tornam rígida a sua linguagem e estorvam muito a bela simplicidade, que outros povos conseguem dar ao seu estilo. O procedimento de um ostentoso caracteriza-se, no convívio, pelas cerimónias. O vaidoso é um arrogante que expressa na sua conduta claros sinais de desprezo pelos outros. É grosseiro nas suas manifestações. Esta miserável condição afasta-o do gosto delicado. Em verdade, não é um meio para satisfazer o sentimento da honra, atrair o ódio e a graça pelo manifesto desprezo de todos os circunstantes.
No amor têm os alemães e os ingleses um sentimento bastante forte, com sensibilidade um pouco fina, mas que participa mais do gosto são e rude. O italiano é, neste capítulo sonhador; o espanhol eo francês, sibarita.
a religião do nosso continente não é questão de gosto caprichoso. A sua origem é mais venerável. Portanto somente os exageros e o que é próprio dos homens podem mostrar indícios de diferentes qualidades nacionais.
Atribuo tais exageros a estes conceitos principais: credulidade, superstição, fanatismo e indiferentismo. Crédula é geralmente a parte ignorante de qualquer, se bem que não seja possível apreciar-lhe nenhum sentimento mais delicado. O seu convencimento provém somente do que ouviu e das aparências externas sem que o movam razões de uma sensibilidade delicada. No Norte podemos encontrar exemplos deste género de religiosidade em povos inteiros. O crédulo, quando te um gosto extravagante, converte-se em supersticioso. Este gosto contém já em si uma tendência para acreditar facilmente qualquer coisa (16). De dois homens, dos quais um deles está contaminado por este sentimento enquanto o outro tem um carácter mais frio e moderado, o primeiro, ainda que seja no fundo mais inteligente, será levado, pela sua inclinação dominante, a crer em alguma coisa sobrenatural mais facilmente do que o segundo, que está preservado deste extravio não pela sua inteligência, mas por um sentimento fleumático e vulgar. o supersticioso gosta de colocar entre si eo supremo objecto da sua adoração, certos homens poderosos e estranhos, gigantes, por assim dizer, de santidade, aos quais obedece a natureza, e cujas vozes mágicas abrem ou fecham as portas mágicas do Tártaro homens que, tocando o céu com a cabeça, apoiamos pés na terra. Os ensinamentos da razão teriam, portanto, que vencer em Espanha grandes obstáculos, e não por terem que expulsar a ignorância, mas porque se lhes opõe um gosto estranho que considera vulgar o natural e não crê experimentar uma sensação sublime se o seu objecto não o extraordinário.
O fanatismo é uma espécie de temeridade piedosa, e é ocasionado por um certo orgulho e uma excessiva confiança em si mesmo de se aproximar das naturezas celestes e alçar-se num voo poderoso sobre a ordem comum prescrita.
O fanático fala somente de inspiração imediata e de vida contemplativa, enquanto o supersticioso faz votos ante as imagens dos grandes santos e põe a sua confiança na superioridade imaginada e inimitável de outras sobre a sua própria natureza. Até nos extravios se mostram, como já notámos, sinais do carácter nacional; assim, o fanatismo encontrou-se principalmente, pelo menos nos tempos passados, na Alemanha e na Inglaterra, e como que uma excrescência monstruosa do sentimento nobre correspondente a estes povos. No geral não é tão daninho como a inclinação supersticiosa, ainda que no princípio seja impetuoso. O calor de um espírito fanático vai-se esfriando pouco a pouco, e pela sua própria natureza acaba numa moderação ordinária, enquanto que a superstição enraíza imperceptivelmente mais fundo num estado espiritual sossegado e sofrido, e tira por completo, no homem de quem faz presa, a confiança necessária para se libertar de uma fantasia daninha. Finalmente, um homem vaidoso e ligeiro é sempre incapaz de sentir fortemente o sublime; a sua religião carece de ternura, e é, a maior parte das vezes, uma questão de moda ele cumprir com correcção enquanto intimamente permanece frio. Este é o indiferentismo prático a que parece inclinar-se principalmente o espírito nacional francês. Dele somente está a um passo a burla sacrílega que, no fundo, considerando o seu valor íntimo, dista pouco duma completa abjuração.
Percorrendo numa rápida visão as outras partes do mundo, encontramos nos árabes os homens mais nobres do Oriente, ainda que com uma sensibilidade que degenera muito no extravagante. É hospitaleiro, generoso e verdadeiro, mas as suas narrativas e a sua história são sempre misturadas com alguma coisa maravilhosa. A sua imaginação faz-lhe ver coisas de forma monstruosas e distorcidas, e até a difusa da sua fé religiosa foi uma grande aventura. Se os árabes são como espanhóis do Oriente, são os persas os franceses da Ásia. Poetas corteses e de gosto muito fino. Não se ajustam estritamente ao Islão, e fazem, segundo o seu carácter, uma interpretação bastante suave do Corão. s japoneses poderiam ser considerados como os ingleses desta parte do mundo, se bem que somente pela constância que degenera até à obstinação mais exagerada, pela bravura e pelo desprezo da morte. Demais, mostram poucos sinais de um gosto delicado. O gosto dos indus inclina-se, sobretudo, para um género de monstruosidades que cai no extravagante. A sua religião tem, toda ela, este carácter. Ídolos de figura estranha, o ente invisível do poderoso mono Harman, as penitências absurdas dos faquires – monges pagãos mendicantes – etc., caem dentro deste gosto. O sacrifício caprichoso das mulheres na mesma fogueira que devora o cadáver do seu marido é uma monstruosidade espantosa. Que insignificâncias grotescas não se encontram nas cortesias prolixas e cuidadosamente preparadas dos chineses?
até os seus quadros têm qualquer coisa de monstruoso e representam figuras estranhas e absurdas, como não se encontram pelo mundo. As suas monstruosidades chegam a ter um cadáver venerável somente por serem de um uso imemorial e nenhum povo do mundo as possui em maior número.
Os negros da África carecem por natureza duma sensibilidade que se eleva acima do insignificante. O Sr. Hume desfia o que lhe apresente um exemplo de um negro mostrar talento, e afirma que entre os centos de milhares de negros transportados a terras estranhas, apesar de muitos terem obtido a liberdade, não se encontrou um único que tenha criado alguma coisa grande na arte, na ciência ou en qualquer outra coisa honrosa, enquanto entre os brancos é frequente o caso dos que, pelas suas condições superiores, sobem de um estado humilhe e conseguem uma reputação vantajosa. Tão essencial é a diferença entre estas raças humanas que parece tão grande nas faculdades espirituais como na cor. A religião dos fetichas, espalhada entre eles, é uma espécie de culto idolátrico que cai no insignificante.


Uma pena de ave, um corno de vaca, uma concha ou qualquer outra coisa vulgar, uma vez consagrada com algumas palavras, converte-se em objecto de reverência e invocação nos juramentos. Os negros são muito vaidosos, mas à sua maneira, e tão faladores que até é preciso separá-los.
Entre os selvagens não há nenhum povo que mostre um carácter tão sublime como os da América do Norte. Têm um forte sentimento da honra e, além de buscarem, para o conquistar, aventuras em vastas extensões, evitam com o maior cuidado a menor transgressão neste ponto quando um inimigo de dureza parecida procura arrancar-lhes lamentos com cruéis torturas. O selvagem canadiano é, além disso, verdadeiro e honrado. A sua amizade é tão estranha e entusiasta como a que até nós chegou dos tempos mitológicos. É muito orgulhoso, sente todo o valor da liberdade, e não sofre, nem mesmo na educação, um tratamento que lhe faça sentir uma submissão humilhante.
Verosimilmente, Licurgo deu leis a estes selvagens e, se surgisse um legislador entre as seis nações, ver-se-ia aparecer no novo mundo uma república espartana.
a empresados argonautas diferencia-se pouco das expedições guerreiras destes índios, e Jasão não avantaja Attakakullakualla mais do que na honra de um nome grego.
Todos estes selvagens são pouco sensíveis ao belo em sentido moral, e o generoso perdão de uma injúria ao mesmo tempo belo e nobre, é completamente desconhecido como virtude entre os selvagens: consideram-no como uma miserável cobardia. a bravura é o maior mérito do selvagem, e a vingança a sua mais doce voluptuosidade.
Os outros indígenas deste continente mostram poucos vestígios de um carácter apto para os sentimentos delicados, e a característica de tais raças é uma extraordinária insensibilidade.
Se considerarmos as relações sexuais nesta parte do mundo, vemos que unicamente o europeu encontrou o segredo de adornar o encanto sensual de uma inclinação poderosa com tantas flores, e penetrá-lo com tantos encantos morais que não somente realçam extraordinariamente os atractivos do mesmo, mas que até lhe infundem um grande decoro.
O habitante do Oriente tem neste capítulo um gosto muito falso. Como não tem nenhuma ideia da beleza moral, que pode estar unida a este instinto, até o valor sensual perde valor para ele, o seu harém converte-se-lhe numa fonte de contínuo desassossego. Cai em todo o género de absurdos amorosos, dos quais o principal é o cuidado que toma para se assegurar à primeira posse dessa jóia imaginária, cujo valor consiste somente em ser rompida. Acerca dela abrigam-se entre os europeus muitas dúvidas maliciosas, e eles para a conservarem recorrem frequentemente a meios repugnantes. Por isso, em tais regiões, a mulher permanece sempre guardada como em prisão, igualmente como a rapariga que tem uma marido bárbaro, incapaz e sempre desconfiado. Na terra dos negros que pode esperar-se senão o que em todas elas acontece, o sexo feminino na mais profunda escravidão? Um covarde é sempre um senhor duro para os fracos, igualmente com, entre nós, o homem que é tirano na cozinha, fora de casa não se atreve a olhar ninguém de frente. O padre Labar conta que um carpinteiro negro, a quem reprovara a altivez com que tratava as suas mulheres, lhe respondeu: «Vós, os brancos, sois uns verdadeiros tolos, pois primeiro concedeis tudo às vossas mulheres e depois queixais-vos quando zombam de vós». Poder-se-ia crer que há nesta resposta qualquer coisa que merece reflexão, mas para poupar palavras basta dizer que o moço era negro dos pés à cabeça, prova evidente de que não sabia o que dizia. de todos os selvagens não há nenhum em que a mulher desfrute tanta consideração como entre os canadianos. Até talvez ultrapassem, neste ponto, os nossos países civilizados. E não é que lhes façam humildes visitas, que não passam de cumprimentos. Não, elas podem realmente mandar. Reúnem-se e deliberam acerca dos negócios mais importantes da nação, acerca da paz e da guerra; enviam os seus deputados aos conselhos dos homens e ordinariamente a sua voz é que decide. Mas pagam caro este direito; têm a seu cargo todos os trabalhos domésticos e partilham ainda de todas as fadigas dos maridos.
Se lançarmos um olhar sobre a história, vemos o gosto dos homens, semelhante a Proteu, mudar constantemente de forma. A antiguidade grega e romana deu sinais certos de um verdadeiro sentimento do belo e do sublime, na poesia, na escultura, na arquitectura, na legislação e mesmo nos costumes. O governo dos imperadores romanos substituiu a nobre e bela simplicidade dos tempos antigos, pela magnificência e por um falso brilho, como o atestam os restos da eloquência e da poesia e mesmo a historiados costumes dessa época. Insensivelmente este resto, dum gosto delicado, extinguiu-se sobre as ruínas do Estado.
Os bárbaros, depois de terem assegurado o seu poderio, introduziram um certo gosto depravado, que se chama gótico e que cai em todas as espécies de loucuras. Não ó na arquitectura se vêem monstruosidades, mas também nas outras ciências e em todas as coisas. Este sentimento degenerado, uma vez introduzido por falsa arte, preferiu toda a classe de formas absurdas, a antiga simplicidade da natureza, e caiu no exagero e no insignificante. O mais alto voo que o género humano tomou para se elevar ao sublime consistia em extravagâncias e por vezes numa monstruosa mistura de ambos. Monges com o missal numa mão e o estandarte na outra, seguidos por exércitos de vítimas enganadas para enterrarem os seus ossos noutros climas, numa terra sagrada; guerreiros santificados pelos seus votos para cometerem violências e iniquidades e depois uma espécie singular de heróicos visionários que se chamavam cavaleiros e procuravam aventuras, torneios, duelos e acções românticas. Durante este tempo, a religião, as ciências e os costumes, foram desfigurados por miseráveis monstruosidades, e observa-se que dificilmente degenera o gosto num sentido se que também mostre sinais de corrupção, tudo o correspondente à sensibilidade delicada. Os votos monásticos encerram ma grande parte dos homens úteis em numerosas comunidades de ociosos atarefados, a quem a sua vida sonhadora inspirava inúmeras monstruosidades escolásticas, que depois saíram dos claustros e se espalharam pelo mundo. Finalmente, depois que o espírito humano se elevou de novo numa espécie de palingenesia, duma destruição quase completa, vemos nos nossos dias florescer o verdadeiro gosto do belo e do nobre, tanto nas arte, nas ciências, como nos costumes. Somente é de desejar que o falso brilho, tão facilmente enganador, não nos afaste, duma forma insensível, da nobre simplicidade e, sobretudo, que o segredo, ainda oculto da educação, consiga ser subtraído aos antigos erros, para elevar cedo o sentimento moral no peito de todo o jovem cidadão a uma sensibilidade activa, de forma que toda a delicadeza espiritual não vá parar ao prazer fugitivo e ocioso de julgar com melhor ou por gosto o que aconteceu fora de nós.


NOTAS

(1) Vou dar um exemplo de terror nobre que pode infundir a descrição de uma completa soledade, escolhendo alguns trechos do sonho de “Carazan” no “Brener Margarin”, tomo IV, pág. 539.
À medida que as suas riquezas cresciam, este rico avarento fechara o coração à piedade e ao amor pelos seus semelhantes; mas, conforme a sua filantropia se apagava, aumentava o fervor dos seus actos religiosos. Após esta sua confissão continua falando da maneira seguinte:
– Uma noite em que fazia as minhas contas à luz duma lâmpada e calculava os lucros, venceu-me o sono. Em tal estado, vi baixar sobre mim como num turbilhão o anjo da morte e, antes que pudesse esquivar – me, fui alcançado por ele. Fiquei horrorizado quando dei conta de que a minha sorte estava lançada por toda a eternidade e que nada podia acrescentar ao bem que tinha feito, nem subtrair no mal que tinha praticado. Fui levado perante o trono daquele que habita o terceiro céu.
O esplendor que flamejava ante mim falou-me desta maneira:
– “Carazan, o teu culto a Deus foi rejeitado. Cerraste o coração ao amor humano e guardaste os teus tesouros com mão de ferro. Viveste só para ti, e isolado hás de viver, portanto, de futuro, por toda a eternidade, subtraído a todo o contacto com o resto da criação”.
Nesse momento fui arrastado por um poder invisível, através das brilhantes construções do Universo. Inumeráveis mundos ficaram – me para trás. Quando me aproximava do extremo mais longínquo da Natureza notei que as sombras do infinito se fundiam no abismo, fugindo de mim. Um terrível império de calma eterna, solidão e trevas!
Ante tal espectáculo, baixou sobe mim um terror inexprimível.
Pouco a pouco foram desaparecendo da minha vista as derradeiras estrelas e por último o derradeiro esplendor vacilante da luz extinguiu – se em trevas densas.
A angústia mortal do desespero crescia em mim a cada momento e a cada momento aumentava também a distância que me separava do último mundo habitado.
Com o coração possuído de insuportável angústia, pensava que quando centenas de milhares de anos me conduzissem para além da criação, veria sempre na minha frente o interminável mundo das trevas, sem auxílio e sem esperança de regresso.
Nesta confusão estendi as mãos à realidade, com tal energia, que acordei. Desde então aprendi a ter os homens em alta conta: mesmo o mais humilde daqueles que, no orgulho da minha felicidade, tinha repelido da minha porta, tê-lo-ia preferido, naquele deserto, a todos os tesouros da Golconda”

(2) As sensações do sublime excitam as forças da alma mais energicamente e agem, portanto, primeiramente. Poder – se à ler mais demoradamente, sem interrupção, uma poesia pastoril que o “Paraíso Perdido” de Milton, e la Bruyere de preferência a Young.
E até me parecem defeito deste último, como poeta moralista a sua uniformidade no estilo sublime, pois a energia da expressão só pode ser renovada, realçando – a com passagens mais suaves. No belo, nada cansa mais que a arte trabalhosa, e a busca do que é preciso adivinhar. O esforço para impressionar torna – se penoso e produz sensações de fadiga.

(3) Adverte – se já que esta honrada sociedade está dividida em dois sectores: o dos presumidos e o dos fátuos. A um presumido culto chama – se piedosamente um pedante Quando adopta um ar superior de sabedoria, como os néscios antigos e modernos, veste – lhe à maravilha a capa com cascavéis. A classe dos fátuos encontra – se especialmente no grande mundo.
Talvez seja preferível à primeira, pois há nela muito que aprender e que rir.
(4) Observada demais perto, vê –se que à condição compassiva, por mais estimável que seja, falta dignidade da virtude. Uma criança que sofre, uma mulher infeliz e simpática despertaria no nosso coração certo sentimento, ao passo que receberíamos friamente a notícia duma grande batalha, na qual, como é fácil calcular, teria morrido inocentemente, entre cruéis dores, um grande número de homens. Muitos príncipes que desviam simplesmente a visa uma pessoa desgraçada, não terão escrúpulos em desencadear ao memo tempo a guerra, por motivos muitas fúteis. Não existe aqui nenhuma proporção nos defeitos. ¿ Como pode dizer-se que a causa seja o amor geral da Humanidade?
(5) Também se compreende que uma certa delicadeza de sentimento seja considerada como mérito. Considerar – se – à com sinal de bom estômago, mas não como mérito, o poder – se comer um bom jantar com carne ou empadas.
Em compensação, quem sacrifique uma parte da mesa à audição da música, quem e fete de um quadro experimente uma agradável distracção, o leia com prazer algumas páginas interessantes, embora sejam poesias simples, reveste – se aos olhos da maioria dum prestígio de homem delicado e forma – se dele uma opinião lisonjeira e favorável.

(6) Foi esta chamada anteriormente «virtude adoptada» em sentido estrito; aqui, em homenagem ao favor que merece, pelo carácter do sexo, chama-se-lhe, em geral, uma virtude bela.

(7) Como todas as coisas do mundo têm o seu lado mau, só é de lamentar que este gosto degenere mais facilmente que qualquer outro em libertinagem. A paixão despertada por uma pessoa pode extingui-la qualquer outra e não são de sobra as dificuldades que podem limitar uma paixão desenfreada.

(8) Esta vantagem está muito reduzida pela observação que se pretende ter feito, segundo a qual os homens que frequentaram cedo e por longo tempo aquelas sociedades em que a mulher dão tom, se tornam frequentemente um tanto insignificantes e fastidiosos no trato masculino ou ate desprezíveis, porque são incapazes de se interessar por uma conversa que, embora alegre, tenha um fundo positivo e embora mesclada de ironias, possa ser útil.

(9) Não é meu propósito descrever detalhadamente os caracteres dos povos. Foco apenas alguns traços que exprimem neles o sentimento do sublime e do belo. Vê-se claramente que em tal esboço só pode exprimir-se uma exactidão aproximada, que o tipo só pode obter-se num grande número daqueles que pretendem ter um sentimento delicado e, que em nenhuma nação faltam caracteres que prezam as mais excelentes qualidades deste género.
por este motivo, não pode ofender a ninguém a censura que recaia sobre um povo, pois é de tal natureza que cada um pode lançá-la como uma bola na cabeça do vizinho.
Se estas diferenças são fortuitas e dependem das circunstâncias ou dos sistemas de governo, ou se estão ligadas, com certa necessidade, ao clima, é coisa que não investigarei neste momento.

(10) Convém repetir aqui a minha desculpa anterior. Em todos os povos, a parte mais cultivada possui caracteres honrosos de todosos géneros e embora a algum possa atingir esta ou outra censura, saberá essa pessoa, se é arguta, tomar o partido de se desinteressar dos mais e exceptuar-se a si mesma.

(11) Em metafísica, em moral e em doutrinas religiosas, nunca se é precavido com os escritos desta nação. Domina-os geralmente muita fantasmagoria bela que não sofre a prova de uma investigação serena. O francês gosta da audácia nas suas expressões, mas para alcançar a verdade não se pode ser audaz, mas precavido. na história gosta de meter anedotas, nas quais só é lamentável o não serem verdadeiras.

(12) A mulher em França dá tom a todas as reuniões e a todo o trato. Não se pode negar eu as reuniões sem o belo sexo sejam bastante insípidas e fastidiosas, mas se a mulher lhes dá nota bela, o homem deve dar-lhes a nota nobre. Doutra forma o trato torna-se igualmente fastidioso, mas por outro motivo – porque nada é mais repugnante do que uma doçura enfadonha.
Segundo a moda francesa, não se pergunta se o cavalheiro está em casa, mas se a senhora está. Todas as conversas se referem à senhora e todas as diversões contam cm a senhora, mas isto não significa que honrem mais a mulher. Um homem que se dedica a fáceis jogos amorosos carece sempre de sensibilidade tanto para o verdadeiro respeito como para o amor delicado.
Eu não queria, nem de longe, ter dito o que Rousseau afirma de maneira tão atrevida: «Que uma mulher nunca chegará a ser mais que uma criança grande».

Mas o arguto suíço escreveu isto em França e provavelmente ali, tão grande defensor do belo sexo, sentia com profunda indignação que não o tratavam lá com maior respeito que a uma criança grande.

(13) Não é necessário que um ostentoso seja, ao mesmo tempo, arrogante, isto é, se forme um conceito falso das suas qualidades, podendo mesmo não se julgar mais do que merece. O seu defeito consiste apenas em ter um falso gosto de fazer valer este mérito exteriormente.

(14) Tem-se notado sobejamente que os ingleses, apesar de serem um povo de tão bom senso, são por vezes facilmente induzíveis a obter uma coisa absurda e singular, firmando-a sem vacilações.
Acontece que um carácter atrevido, preparado por diversas experiências, experiências, nas quais muitas coisas raras se tornam verdadeiras, apesar de tudo, prescinde depressa dos pequenos escrúpulos que sempre detêm uma inteligência fraca e desconfiada e a preservam frequentemente do erro, sem que isso signifique ma superioridade própria.

(15) Convém distinguir sempre o fanatismo do entusiasmo. Aquele crê sentir uma imediata e extraordinária comunidade com uma natureza superior; este significa aquele estado em que o espírito se acha dominado por qualquer princípio, mais além do grau conveniente, seja pela virtude patriótica, pela amizade ou pela religião, sem que neste estado intervenha, de forma alguma, a ideia duma comunidade sobrenatural.

(16) Em Pequim continua a celebrar-se, por ocasião dos eclipses do Sol ou da Lua, a cerimónia a cerimónia de afugentar, com grande estrépito, o dragão que pretende devorar aqueles astros e, embora presentemente saibam que as coisas se passam de outra maneira, conservam este costume, nascido da ignorância dos tempos remotos.

(*) bom mot – bom dito

SIGNIFICADOS
E
ELUCIDAÇÕES


▪ ABJURAÇÃO - 85, 1º., 1f - renúncia, por vezes com carácter público e solene, a certos princípios, crenças religiosas ou a certas doutrinas; acto ou efeito de abjurar = retractação
▪ ADVERTIR - 17, 2º., 4f – v. tr.
1. Fazer advertência a; observar.
v. intr.2. Reparar, dar fé, notar.▪ Algoretti, 47, 1º., 7f –
▪ ALMÍSCAR - 47, 1º., 1f - almíscar - s. m.
1. Substância aromática segregada pelo almiscareiro.
2. Almiscareira - s. f.
Bot. Planta geraniácea, de cheiro semelhante ao do almíscar.
almiscareiro - s. m.
1. Animal asiático, da ordem dos ruminantes, que tem sob o ventre uma bolsa donde se extrai o almíscar.
2. O mesmo que civeta, gato-de-algália e zibeta.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alm%C3%ADscar▪ Anacreôntico, 18, 4f –
▪ ÂNIMO - 19, 7f. – s. m.
1. Espírito.
2. Carácter!Caráter.
3. Coragem.
4. Intenção.
interj.5. Coragem!
▪ ANÁLOGO - 25, 1º., 2f. –
▪ Aquiles na Ilíada, 13, 7f –
▪ Attakakullakualla, 88, 2f, 3f.
▪ Avisado, 17, 2º., 3f – adj.
De bom conselho, prudente.
▪ Bayle, 7, 15 –
▪ Bouffon, 60, 8f -
▪ HOGARTH - (buril de Hogarth) - Hogarth, el gran pintor británico, famoso por crear un nuevo estilo, pintando escenas comprometedoras... criticando las injusticias de la sociedad británica del siglo XVIII.
buril - buril
(francês burin, do italiano antigo burino) - s. m.
1. Instrumento de ponta de aço para trabalhos de gravura ou talha.
2. Feição artística do escultor ou entalhador.
3. Fig. Arte, modo de gravar.
4. Estilo energético.
Buril curvo: instrumento para vazar madeira.
Buril da história: locução em que a história é considerada como perpetuadora dos acontecimentos.
▪ Carazan no Brener Margarin, 95, 3 –
▪ Chaco na Tartásia (deserto, 9, 2º., 1) –
▪ Chastelet -
▪ Cinturão de Vénus em Homero, 8, 6 –
▪ circaniano -
▪ Circunspecção, 11, 3 –
▪ Coqueteria – O desejo de seduzir ou coqueteria , 14, 3º., 1 -
▪ Cromwell, 11,4 –
▪ enfático, 80, 5f -
▪ enzinha, 2, 3 –
▪ Dacier -
▪ Elísio –
▪ Equívoco, 18, 6 –
▪ Extravagante, 18, 2º, 4 –
▪ Fátuo, 97, 3º., 3 –
▪ Fedelho – 17, 1.
▪ Fontenelle, 47, 13.
▪ Frívolo, 16, 3f –
▪ galeote, 31, 9.
▪ Golconda, 96, 2. –
▪ Halles, 10, 3f –
▪ Harman, 86, 10-
▪ Heráclito, 21, 5f –
▪ Homero, 8, 6 –
▪ Igreja de S. Pedro em Roma –
▪ Indostão, 61, 2º., 1 -
▪ infundir 95,2 –
▪ Insípido, 17, 3º., 2f –
▪ intelectiva -
▪ jactancioso, 35, 4 –
▪ judicioso, 45, 6 -
▪ Kepler, 7, 14 –
▪ Klopstock, 18, 10f –
▪ La Bruyere, 97, 2º., 5 –
▪ Licurgo, 88, 2º., 1 -
▪ Magnitude, 19, 4 –
▪ Mentecapto, 17, 2º., 4f
▪ Metafísica, 19, 5 –
▪ Milton (Paraíso Perdido), 97, 2º., 5 –
▪ mónada, 47, 6 –
▪ mono, 86, 10 -
▪ Monstruosidade, 18, 5f –
▪ Ovídeo (metamorfoses), 18, 7 –
▪ palingenesia,93, 12 -
▪ pedante, 35, 5 -
▪ Presumido, 97, 3º., 4 –
▪ Presunção, 52, 2 –
▪ Proteu, 91, 2º., 3 -
▪ Schach Nadir segundo conta Hamway, 14, 2 –
▪ sibarita, 82, 6 -
▪ Soledade, 95,2, –
▪ Silogístico, 19, 1º., 2f -
▪ Simonides, 68, , 2º., 1º. -
▪ torpe, 34, 2f -
▪ Vénus, 8, 6 –
▪ Vergílio, 13, 5f –
▪ Young, 97, 2º., 6 –
……………………….
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O que é o Belo e o Sublime para Kant? - http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20070415140007AAa2641

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G. Ciências Humanas - 3. Filosofia - 2. Filosofia

O BELO E O SUBLIME NA FORMAÇÃO DO JUÍZO DE GOSTO E ARTICULADOR DA SOCIABILIDADE UNIVERSAL. - http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra/SENIOR/RESUMOS/resumo_2924.html

BELO - http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/B/belo.htm

TEXTOS SOBRE O BELO, O SUBLIME E O TRÁGICO - http://www.fcsh.unl.pt/deps/estudosalemaes/Pubs/P_Pedro_Castanheira_03_Set_2003.asp

KANT E O SUBLIME - http://comqueroupa.blogspot.com/2006/09/kant-e-o-sublime.htmloOS


OS TRANSCENDENTAIS E SUA NEGAÇÃO -
O BELO E O BOM / O MAL E O FEIO -http://www.hottopos.com/collatio/os_transcendentais_e_sua_negacao.htm

TEREZA DA PRAIA - POESIAS SOLTAS - ENTRE O BELO E O SUBLIME - http://www.terezadapraia.com.br/entreobeloeosublime.htm

DE ACORDO COM KANT, AO CONTRÁRIO DO BELO QUE DESPERTA UM PRAZER HARMÔNICO E CALMO, O SUBLIME É ALGO CHOCANTE POR SUA DESMEDIDA. - http://www6.ufrgs.br/idea/index.php?name=News&file=article&sid=912&theme=Printer

O SENTIMENTO DA NATUREZA EM KANT, NA CRÍTICA DA FACULDADE DE JULGAR - III - 1. http://pt.shvoong.com/humanities/h_philosophy/aesthetics/1327641-sentimento-da-natureza-em-kant/
2. http://pt.shvoong.com/humanities/h_philosophy/aesthetics/

KANT, IMMANUEL - O BELO E O SUBLIME
http://afilosofia.no.sapo.pt/12KantBibliografia.htm

ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE - http://www.google.pt/search?q=KANT+-+O+BELO+E+O+SUBLIME&hl=pt-PT&start=10&sa=N